Moraes ou Mendonça? Entenda a omissão no caso de Cleriston
Diante da repercussão negativa para Alexandre de Moraes da morte de Cleriston Pereira da Cunha no presídio da Papuda em 20 de novembro, blogs sujos petistas tentaram eximir o ministro do STF de responsabilidade por omissão no caso, culpando...
Diante da repercussão negativa para Alexandre de Moraes da morte de Cleriston Pereira da Cunha no presídio da Papuda em 20 de novembro, blogs sujos petistas tentaram eximir o ministro do STF de responsabilidade por omissão no caso, culpando André Mendonça, o segundo ministro indicado por Jair Bolsonaro.
Isto porque Mendonça rejeitou um habeas corpus da defesa do réu do 8/1, “com base em questões processuais e técnicas, sem mencionar as informações sobre as condições de saúde do preso”, como registrou o Estadão. A informação, inserida no meio de uma matéria do jornal, virou manchete diversionista na rede virtual do petismo.
Vamos aos fatos:
– Cleriston foi preso em flagrante por autoridades policiais em 8 de janeiro, no Senado, ante a suposta prática dos crimes de dano qualificado e golpe de Estado.
– A primeira instância da Justiça Federal do DF (15ª Vara Criminal) assentou a regularidade formal do ato, ou seja, deu “ok” para a prisão.
– A defesa de Cleriston, inconformada, formalizou habeas corpus perante o respectivo tribunal de segunda instância, mas o desembargador relator do TRF1 declarou que a competência para julgar pedidos de conversão de prisão preventiva em domiciliar era do STF, porque assim havia determinado Moraes, relator do inquérito dos atos golpistas.
– Como relator do HC no Supremo, Mendonça registrou em relatório os pontos do pedido da defesa de Cleriston, citando seus “problemas de saúde (quadro de vasculite de múltiplos vasos e miosite secundária à Covid-19), sendo usuário de medicamentos”.
– Datada de 27 de fevereiro, a decisão de Mendonça, na verdade, foi a de aplicar o entendimento consolidado no STF, e reafirmado pelo plenário, no sentido da impossibilidade de tramitação de habeas corpus contra ato de qualquer ministro da Corte, no caso o próprio Moraes, que havia mantido a prisão preventiva de Cleriston.
– Nas palavras de Mendonça: “Mostra-se incabível a impetração, uma vez voltada contra ato de Ministro do Supremo Tribunal Federal. Conforme o enunciado nº 606 da Súmula do STF: ‘Não cabe habeas corpus originário para o Tribunal Pleno de decisão de Turma, ou Plenário, proferida em habeas corpus ou no respectivo recurso.’ Com efeito, esta Suprema Corte firmou o entendimento de não ser cabível habeas corpus contra ato de Ministro ou de Órgão colegiado do STF, em virtude da incidência, por analogia, do referido verbete. Nesse sentido, são diversos os precedentes. (…) Tendo em vista a jurisprudência (…), o processo deve ser extinto sem resolução de mérito.”
– O mesmo entendimento de não cabimento já havia sido aplicado pelo então ministro Ricardo Lewandowski, indicado por Lula ao Supremo, em outros habeas corpus em favor de duas pessoas presas por ações realizadas em 8/1.
– A última frase da decisão de Mendonça é emblemática:“Encaminhe-se, com urgência, cópia desta decisão ao e. Ministro Alexandre de Moraes, Relator do Inquérito nº 4.897/DF do Supremo Tribunal Federal.” Moraes, portanto, teve acesso ainda em fevereiro ao pedido da defesa de Cleriston – incluindo questões de saúde – e à decisão de Mendonça. Como relator do inquérito, Moraes era o responsável pelo caso e poderia, então, ter tomado providências que, pela jurisprudência do STF, Mendonça não poderia ter tomado.
– Em sessão de plenário virtual aberta entre 18 e 24 de abril, o STF decidiu receber a denúncia feita naquele mês pela Procuradoria-Geral da República contra Cleriston. A maioria dos ministros acompanhou o relator Moraes no voto pelo recebimento da denúncia, enquanto os dois indicados por Bolsonaro, Mendonça e Kássio Nunes Marques, divergiram parcialmente. Ambos também votaram a favor, mas apontaram menos crimes e defenderam penas menores.
– Em 24 de maio, o advogado Bruno Azevedo de Sousa apresentou ao STF um pedido de revogação da prisão de Cleriston, indicado subsidiariamente a opção de prisão domiciliar. Em 31 de maio, apresentou ainda defesa prévia combinada com pedido de liberdade provisória. Nos textos, disponíveis para os ministros do STF, Sousa repetiu os problemas citados no HC e reforçou o alerta:
“Ele já sofreu graves danos e grandes sequelas em razão da Covid-19. Depende da utilização de bastantes medicamentos, que [nem] sequer são oferecidos pelo sistema penitenciário.
É de extrema importância informar que a médica responsável pelo acompanhamento solicitou exames necessários para assegurar a saúde do agravante, todavia ele não pode comparecer aos exames devido à prisão preventiva.
Essas condições podem acarretar em complicações fatais para o paciente. Nesse sentido, é notório que a segregação prisional pode acarretar uma sentença de morte.”
– Em setembro, a mesma PGR que denunciou Cleriston se manifestou a favor da soltura do réu, para que ele respondesse o processo em liberdade: “Não mais se justifica a segregação cautelar, seja para a garantia da ordem pública, seja para conveniência da instrução criminal, especialmente considerando a ausência de risco de interferência na coleta de provas”, dizia o parecer. Moraes, o relator responsável pela análise, continuou, no entanto, a deixar o caso de lado.
– Para o ministro que atraiu para o Supremo o julgamento de centenas de réus sem foro privilegiado, não pega bem a demora em analisar o caso de um réu que acabou morrendo na prisão; até porque, além de diversas críticas (inclusive de O Antagonista) à manobra do relator desde a sua raiz, a preocupação com a capacidade do STF de dar conta de todos os casos também já estava presente no debate público.
– Quando Moraes manteve, em 16 de março, 294 prisões, a Folha registrou em duas matérias o referido problema:
“Agora o próximo passo será encontrar soluções sobre quem cuidará das centenas de ações penais. É consenso que, em qualquer cenário, haverá sobrecarga de serviços e uma provável necessidade de convocar reforços.
No Supremo, interlocutores de Moraes afirmam que a intenção era manter os processos sob a tutela do tribunal, o que evitaria que eles ficassem parados e sem julgamento – ou que haja decisões divergentes entre os juízes na primeira instância.
Porém não há uma equipe no Supremo que tenha condição de tocar a fase de instrução das ações, após o recebimento das denúncias. Além disso, segundo o regimento interno da corte, as ações penais devem ser julgadas em plenário pelos 11 ministros.”
– Agora que Cleriston morreu esquecido na cadeia, o presidente do Supremo, Luis Roberto Barroso, declarou, “em nome do STF”, que “toda perda de vida humana, ainda mais quando se encontra sob custódia do Estado brasileiro, deve ser lamentada com sentimento sincero”; mas tentou jogar a responsabilidade para o sistema carcerário, onde “quatro pessoas morrem por dia”, e afetar virtude do Supremo por ter declarado inconstitucional esse estado de coisas. “Registro que não é o Judiciário que administra o sistema penitenciário. Seja como for, manifesto em nome do tribunal solidariedade à família do cidadão brasileiro que faleceu no presídio da Papuda”, completou.
– O Antagonista registra que tampouco é o sistema penitenciário que administra o Poder Judiciário, não podendo ele próprio, por motivos de saúde, acatar pedidos de prisão domiciliar feitos por advogados comuns, que não podem andar de bermuda no STF.
– A despeito do recibo passado por Moraes ao decidir pela soltura de quatro réus do 8/1 nesta quarta-feira, 22, o caso de Cleriston, “seja como for”, apenas confirmou que há advogados e réus mais iguais que outros no Supremo. A quem não é da patota, sobram a lentidão, a burocracia, o desleixo e a empáfia dos ministros, uns mais omissos e corporativistas que os outros.
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