Lula fala sobre a mãe, não sobre o filho
A reação dos lulistas ao caso de violência doméstica que envolve um dos filhos do presidente põe em xeque seu discurso de defesa das mulheres e passa uma mensagem clara de intimidação
Os filhos de Lula (foto) não são notícia, ou não deveriam ser. Viraram, durante suas presidências, porque se envolveram em suspeitas de corrupção. E também agora, que Luís Cláudio Lula da Silva foi acusado pela ex-mulher de agressões físicas e psicológicas. O presidente da República não teria nada a ver com isso, em princípio. Não tem responsabilidade, nem controle, sobre os atos do filho. Mas a pauta dos direitos das mulheres é base do discurso de Lula e de seus aliados, e esse discurso vem sofrendo um duro desgaste desde que o caso veio à tona.
O presidente tocou no assunto lateralmente na sexta-feira, 12, repetindo um discurso que se acostumou a fazer no contexto do programa Minha Casa, Minha Vida — que entrega as chaves das casas às mulheres —, mas que ganha contornos de constrangimento no contexto atual.
“Uma mulher que pode trabalhar e levar para casa, às vezes levar mais do que o marido, ela ganha respeito e ela vai dizer para o marido: ‘Eu estou com você porque eu gosto de você, porque você me respeita. Se você levantar [a mão] para mim, eu largo você e vou cuidar da minha família, porque mulher não foi feita para apanhar”, discursou o presidente ao lançar um campus de Instituto Federal de Brasília em Ceilândia (DF).
A mãe
Lula seguiu: “A minha mãe era analfabeta, ela não sabia fazer um ‘o’ com o copo, mas ela dizia para mim: ‘Meu filho, se um dia você casar, e você tiver problema com a sua mulher, nunca levante a mão para sua mulher. Se vocês não estiverem vivendo bem, saia de casa, deixe a mulher cuidar da casa e vá procurar o que fazer, mas nunca levante a mão para bater numa mulher. Eu acho que é isso que nós, homens, temos que aprender”.
Diante da história contada pelo presidente, apresenta-se a questão: o que Lula, que não é analfabeto, dizia para Luís Cláudio?
“Layout“
O Estadão revelou no sábado, 13, que a médica Natália Schincariol, que denunciou o filho mais novo do petista por agressões, voltou a ser afastada do trabalho. O motivo teria sido uma crise de ansiedade — o laudo do psiquiatra menciona “sintomas depressivos” associados a “conflitos conjugais” — desencadeada após Luís Cláudio compartilhar um vídeo em que sua ex-mulher é desqualificada por tê-lo denunciado.
“Obrigada pelas sábias palavras”, escreveu o filho de Lula no Instagram ao compartilhar os comentários de Hildegard Angel. “Ele me pareceu mais convincente do que ela”, diz a comentarista na live, violando a primeira regra não escrita do discurso de defesa de mulheres vítimas de violência, e repassando um recado de intimidação que vem sendo dado pelos lulistas desde que a história veio à tona (e sempre que algum dos seus é pego em contradição com o próprio discurso): não mexa com a esquerda.
“Até pelo layout dela. Ela já me pareceu ser uma dessas personalidades midiáticas“, segue Hildegard, para os sorrisos dos colegas de live. “Não é convidativo, não inspira grande confiança, entendeu?”, ela continua, incentivada pelos pares.
“Linha de BBB“
A comentarista disse ainda que a história lhe pareceu “muito estranha desde o princípio” e resumiu o enredo todo da seguinte forma:
“O filho do Lula namorar uma pessoa com aquele perfil tão dissonante. Ele, que é um rapaz humilde na sua postura, discreto, e ela faz muito essa linha de BBB, com bocão e com harmonização facial e com cabelão e com bustão e com pose sexy no Instagram, e querendo ser uma intelectual e fazendo uns textos de… Eu acho que ela é psiquiatra, mas os textos dela mais parecem de auto-ajuda. Eu achei que aquele casal não conjumina. Foi um casal de ocasião, sabe? Nós estamos em um momento em que realmente há muitos abusos, há muita agressão das mulheres, isso a gente viu no governo Bolsonaro inteiro, as mulheres sendo agredidas. Então a opinião pública fica muito mobilizada, e com razão, contra esse tipo de comportamento masculino, de dominar através da força, de preponderar através da violência. Mas, pelo que eu li, eu achei que a coisa está muito mal contada. Aí me dá a má impressão de que ela se aproveitou disso neste momento, por ele ser filho do presidente da República, para prevalecer.”
“E tal”
“Mas aí pode ser um preconceito”, diz um dos participantes da live, dando à colega a oportunidade de adequar o discurso. Mas ela não aproveita: “Pode ser um preconceito, mas as pessoas que estão muito preocupadas em aparecer, em se exibir, em isso e aquilo, elas criam já certa desconfiança”.
Em outro trecho da live, transmitida pelo site Brasil 247, Florestan Fernandes Júnior entra na dança, relembrando à audiência toda a cartilha de defesa dos direitos das mulheres contra agressores, para, na sequência, jogá-la fora.
“Realmente, as mulheres são atacadas e merecem todo o respeito. E merecem que os companheiros que cometeram irregularidades físicas, morais, e tal, respondam por isso. Agora, nós temos que ir muito devagar nas histórias, né?”, pondera.
É o tipo de ponderação que não costuma ser feita com os adversários de Lula, em especial a família Bolsonaro, mencionada por contrabando na live.
Não pegou bem
Florestan segue: “Geralmente, uma pessoa que preserva sua intimidade demonstra um caráter melhor. É a minha visão, sabe? Quando você começa a publicizar uma crise, é porque você tem interesses outros. E isso não pegou bem para mim”.
Natália reagiu em postagem no Instagram no sábado:
“‘Ex bbb, paga de intelectual, vulgar, cabelos longos, boca grande, seios grandes…’ Uma mulher que tem muito a falar e ninguém mais vai me conter. Médica, psicanalista, estudante de psiquiatria. Empresária, dona do próprio instituto de saúde mental @quintalfilosofico . Iniciação científica, apresentação em congresso internacional e nacional, artigos publicados. Mas, nada disso tem valor quando você é uma mulher. O tamanho dos seus seios, da sua boca, do seu cabelo importam mais na boca dos machistas. Te invalidam, te humilham, te silenciam. Mas, só você sabe o que passou e o que viveu pra chegar até aqui. Sou filha de uma mãe forte que me criou sozinha, tenho orgulho de ser mulher e de ter sido criada por minha mãe e minha vó. Não vou me calar diante do machismo. O Machismo é violento. O Machismo mata.”
Condenados ao ridículo
O conflito entre Luís Cláudio e Natália é responsabilidade da Justiça brasileira desde que a mulher registrou um boletim de ocorrência em 2 de abril. Que as autoridades apurem a denúncia e tomem as atitudes devidas caso as alegações sejam comprovadas.
Ninguém foi condenado até agora nesse caso, com exceção dos lulistas que profanaram o próprio discurso na tentativa de proteger o presidente do desgaste político. Eles foram sentenciados ao ridículo pelas próprias palavras.
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