Justiça brasileira tem medo da liberdade e das redes sociais
Decisões da Justiça contra Filipe Martins e Pablo Marçal extrapolam na restrição a direitos, em vez de protegê-los
Se o Estado vai bulir com liberdades e direitos fundamentais, precisa zelar para que essa interferência seja a mais cuidadosa e pontual possível.
A Justiça brasileira está se acostumando a fazer o contrário: extrapolar nas restrições.
Dois casos das últimas 24 horas demonstram isso.
Caso 1: Martins silenciado
Ex-assessor de Jair Bolsonaro, que Filipe Martins foi proibido de conceder uma entrevista à Folha de S. Paulo pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
Ele é suspeito de envolvimento nas tramas de Bolsonaro para permanecer no poder, depois de perder as eleições de 2022.
Ficou preso por seis meses sob a justificativade que havia tentado fugir do país, o que depois se mostrou falso.
No começo de agosto, Moraes o mandou para casa, mas sujeito a diversas restrições.
Entre as medidas cautelares impostas está a de não se comunicar com outros alvos da investigação.
Foi com base nisso que o ministro negou autorização para a conversa do militante bolsonarista com o jornal.
Extrapolação
O raciocínio parece ser o seguinte: para evitar que o ex-assessor passe recados, por meio da entrevista, a pessoas com quem não pode se comunicar, proíbe-se que ele fale sobre tudo e qualquer coisa, de maneira genérica.
Proíbe-se também a imprensa de exercer a sua tarefa, que é veicular informação de interesse público.
Parte-se de uma limitação pontual – não se comunicar com outros investigados – para o silenciamento completo do ex-assessor, que fica impedido de manifestar opiniões políticas ou até mesmo se defender em público.
É a isso que eu me refiro quando falo em extrapolação.
Contrassenso
Note-se também o contrassenso. A medida cautelar não impossibilita Martins de falar com sua turma, apenas o sujeita a consequências caso ele descumpra a regra. Se marcar um encontro, telefonar ou mandar um cartão postal para Bolsonaro, ele pode voltar para a cadeia, por exemplo.
Em todos esses casos, a punição viria depois. Só no caso da entrevista a mordaça veio antes.
Outra coisa: há muito tempo o STF decidiu que não se pode impedir alguém condenado e preso por qualquer tipo de crime de conceder entrevistas. Seria exagerar no castigo.
Alvos dos inquéritos de Xandão, no entanto, têm tido o seu direito de expressar-se restringido sem saber por quanto tempo, uma vez que as investigações não tem prazo para terminar. Nesse sentido, têm menos direitos do que gente que está na cadeia.
Caso 2: Marçal com redes bloqueadas
O candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal teve suas contas de rede social derrubadas pela Justiça Eleitoral, sob a suspeita de pagar apoiadores por picotarem e aumentarem o alcance de vídeos seus. Isso pode configurar abuso de poder econômico.
Posso até admitir que um bloqueio preventivo fosse justificável, por um tempo breve, para verificar se, e como, as contas serviam de ferramenta para um esquema aparentemente ilegal.
Mas a sentença não delimitou com clareza o problema, nem apontou medidas que o candidato poderia adotar para interromper a ilegalidade sem perder acesso às contas que fez crescer ao longo dos anos.
Não se preocupou, por exemplo, em aferir se a exclusão de alguns conteúdos já seria suficiente: partiu logo para a medida mais gravosa, derrubar os perfis como um todo.
Extrapolação, mais uma vez.
E nesta quarta-feira, 28, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo manteve a punição nos mesmos termos da primeira instância.
Tudo errado
Vejam aqui também o contrassenso: Marçal foi autorizado a abrir novos perfis. Em tese, poderia voltar a realizar campeonatos de picotagem de vídeos, se o requisito para isso for a existência de uma conta nas redes sociais.
No afã de “restaurar o equilíbrio na disputa eleitoral” a Justiça Eleitoral parece ter concluído que Marçal deveria ser privado dos seus muitos seguidores. Mas a legislação não proíbe pessoas com muitos seguidores de disputar eleições, nem as obriga a começar do zero nas redes sociais. Só as pune se usarem seu dinheiro de maneira indevida.
Está tudo errado.
Cada vez mais, a Justiça brasileira parece ter medo da livre expressão e se mostra atarantada diante de uma realidade que não compreende direito, a das redes sociais.
E sai por aí atropelando direitos.
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