Justiça brasileira tem medo da liberdade e das redes sociais Justiça brasileira tem medo da liberdade e das redes sociais
O Antagonista

Justiça brasileira tem medo da liberdade e das redes sociais

avatar
Carlos Graieb
4 minutos de leitura 28.08.2024 20:18 comentários
Análise

Justiça brasileira tem medo da liberdade e das redes sociais

Decisões da Justiça contra Filipe Martins e Pablo Marçal extrapolam na restrição a direitos, em vez de protegê-los

avatar
Carlos Graieb
4 minutos de leitura 28.08.2024 20:18 comentários 0
Justiça brasileira tem medo da liberdade e das redes sociais
Foto: Renato Pizzutto/Band

Se o Estado vai bulir com liberdades e direitos fundamentais, precisa zelar para que essa interferência seja a mais cuidadosa e pontual possível. 

A Justiça brasileira está se acostumando a fazer o contrário: extrapolar nas restrições.

Dois casos das últimas 24 horas demonstram isso. 

Caso 1: Martins silenciado 

Ex-assessor de Jair Bolsonaro, que Filipe Martins foi proibido de conceder uma entrevista à Folha de S. Paulo pelo ministro do STF Alexandre de Moraes. 

Ele é suspeito de envolvimento nas tramas de Bolsonaro para permanecer no poder, depois de perder as eleições de 2022. 

Ficou preso por seis meses sob a justificativade que havia tentado fugir do país, o que depois se mostrou falso.

No começo de agosto, Moraes o mandou para casa, mas sujeito a diversas restrições. 

Entre as medidas cautelares impostas está a de não se comunicar com outros alvos da investigação. 

Foi com base nisso que o ministro negou autorização para a conversa do militante bolsonarista com o jornal. 

Extrapolação

O raciocínio parece ser o seguinte: para evitar que o ex-assessor passe recados, por meio da entrevista, a pessoas com quem não pode se comunicar, proíbe-se que ele fale sobre tudo e qualquer coisa, de maneira genérica. 

Proíbe-se também a imprensa de exercer a sua tarefa, que é veicular informação de interesse público.

Parte-se de uma limitação pontual – não se comunicar com outros investigados – para o  silenciamento completo do ex-assessor, que fica impedido de manifestar opiniões políticas ou até mesmo se defender em público.

É a isso que eu me refiro quando falo em extrapolação. 

Contrassenso

Note-se também o contrassenso. A medida cautelar não impossibilita Martins de falar com sua turma, apenas o sujeita a consequências caso ele descumpra a regra. Se marcar um encontro, telefonar ou mandar um cartão postal para Bolsonaro, ele pode voltar para a cadeia, por exemplo. 

Em todos esses casos, a punição viria depois. Só no caso da entrevista a mordaça veio antes. 

Outra coisa: há muito tempo o STF decidiu que não se pode impedir alguém condenado e preso por qualquer tipo de crime de conceder entrevistas. Seria exagerar no castigo. 

Alvos dos inquéritos de Xandão, no entanto, têm tido o seu direito de expressar-se restringido sem saber por quanto tempo, uma vez que as investigações não tem prazo para terminar. Nesse sentido, têm menos direitos do que gente que está na cadeia.

Caso 2: Marçal com redes bloqueadas

O candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal teve suas contas de rede social derrubadas pela Justiça Eleitoral, sob a suspeita de pagar apoiadores por picotarem e aumentarem o alcance de vídeos seus. Isso pode configurar abuso de poder econômico. 

Posso até admitir que um bloqueio preventivo fosse justificável, por um tempo breve, para verificar se, e como, as contas serviam de ferramenta para um esquema aparentemente ilegal.

Mas a sentença não delimitou com clareza o problema, nem apontou medidas que o candidato poderia adotar para interromper a ilegalidade sem perder acesso às contas que fez crescer ao longo dos anos.

Não se preocupou, por exemplo, em aferir se a exclusão de alguns conteúdos já seria suficiente: partiu logo para a medida mais gravosa, derrubar os perfis como um todo. 

Extrapolação, mais uma vez. 

E nesta quarta-feira, 28, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo manteve a punição nos mesmos termos da primeira instância. 

Tudo errado

Vejam aqui também o contrassenso: Marçal foi autorizado a abrir novos perfis. Em tese, poderia voltar a realizar campeonatos de picotagem de vídeos, se o requisito para isso for a existência de uma conta nas redes sociais. 

No afã de “restaurar o equilíbrio na disputa eleitoral” a Justiça Eleitoral parece ter concluído que Marçal deveria ser privado dos seus muitos seguidores. Mas a legislação não proíbe pessoas com muitos seguidores de disputar eleições, nem as obriga a começar do zero nas redes sociais. Só as pune se usarem seu dinheiro de maneira indevida.  

Está tudo errado. 

Cada vez mais, a Justiça brasileira parece ter medo da livre expressão e se mostra atarantada diante de uma realidade que não compreende direito, a das redes sociais. 

E sai por aí atropelando direitos. 

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
2

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

Debate da RedeTV: nem cadeirada contém o ímpeto de candidatos em SP

Visualizar notícia
5

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
6

Freiras espanholas excomungadas terão que deixar convento

Visualizar notícia
7

"Perguntar não ofende", Marina Helena?

Visualizar notícia
8

Marçal vira bode expiatório para a baixaria

Visualizar notícia
9

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
10

Lira joga contra a oposição, diz Marcel van Hattem

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Homem amarra adolescente em uma estaca e o agride

Visualizar notícia
2

Queimadas ‘do amor’: a mãozinha de Dino a Lula

Visualizar notícia
3

Estrelas da academia querem mundo digital sob poder do Estado no Brasil

Visualizar notícia
4

Debate em SP: o bate-boca sem cadeirada

Visualizar notícia
5

Explosão dos pagers: Israel deu nó no Hezbollah?

Visualizar notícia
6

Lula traz o confisco de volta

Visualizar notícia
7

STF abre inquérito sobre Silvio Almeida

Visualizar notícia
8

O acordo de Lira sobre mais uma PEC para frear STF

Visualizar notícia
9

STF reduz pela metade pena de ex-deputado condenado na Lava Jato

Visualizar notícia
10

Papo Antagonista: O confisco e outras armadilhas

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

Alexandre de Moraes Filipe Martins Justiça Eleitoral Pablo Marçal redes sociais SFT
< Notícia Anterior

Boulos rompe contrato com produtora responsabilizada por hino neutro

28.08.2024 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Previsão do tempo alerta para clima seco em grande parte do Brasil

28.08.2024 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Estrelas da academia querem mundo digital sob poder do Estado no Brasil

Estrelas da academia querem mundo digital sob poder do Estado no Brasil

Carlos Graieb Visualizar notícia
Marçal vira bode expiatório para a baixaria

Marçal vira bode expiatório para a baixaria

Rodolfo Borges Visualizar notícia
Sim, Dino assumiu a presidência

Sim, Dino assumiu a presidência

Carlos Graieb Visualizar notícia
Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Ricardo Kertzman Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.