Jornalismo não é para qualquer Marçal
Como se não bastassem os fatos comprometedores sobre Boulos, influenciador sentiu a necessidade de inventar outro
Quando políticos populistas e propagandistas a seu serviço tentam emular o jornalismo com apurações próprias sobre seus adversários, o resultado geralmente ilustra sua incapacidade técnica e moral de fazer o trabalho da imprensa que tanto buscam desqualificar.
Decerto merecem críticas os profissionais da comunicação alinhados a grupos políticos, governos e ministros do STF, cujas análises omitem e distorcem fatos conforme a conveniência ideológica ou financeira; mas as informações necessárias para refutar suas narrativas, com frequência, encontram-se no restante da própria imprensa, ainda que em colunas isoladas e portais independentes.
Seja de seus setores majoritários ou minoritários, é dela que políticos tiram a base principal de suas alegações contra os rivais, eventualmente acrescidas de seus exageros retóricos. Mensalão, petrolão, esquemas em fundos de pensão e BNDES, invasões de terra e propriedade, assim como rachadinhas, orçamento secreto, sabotagem de vacinação, mobilizações por intervenção militar, invasão e depredação de prédios dos três Poderes, tudo foi noticiado ou repercutido na imprensa, mesmo quando revelações vinham de órgãos de fiscalização e controle, que dispõem de ferramentas fora do alcance jornalístico, como a identificação de movimentações bancárias atípicas e as consequentes quebras de sigilo.
Eleitores de baixo nível de informação, que não têm o hábito de ler diariamente reportagens e artigos, muito menos de estudar em livros a história recente do país e a origem das ideias circulantes na sociedade, deixam-se seduzir por populistas em período eleitoral e imaginam ter vindo deles a parte real e concreta sobre a sujeira alheia – sobretudo agora que se deixam fechar em bolhas virtuais de propaganda e desinformação, seguindo nas redes sociais somente os membros da mesma tribo.
O que populistas e seus propagandistas fazem, de modo geral, é filtrar as informações publicadas pela imprensa, selecionando para uso político somente as que comprometem seus adversários e omitindo em suas respectivas bolhas a parte comprometedora a respeito de si e de seus aliados. Uma das funções dos debates eleitorais tem sido justamente furar essas bolhas, dando a oportunidade para que cada político fale sobre o outro, diante do público de ambos, aquilo que ele não conta a seus próprios eleitores e seguidores.
A jornalistas de verdade, como sempre, cabe filtrar as alegações dos candidatos, extraindo os fatos e esmiuçando a pertinência dos argumentos, em meio a exageros, distorções, meias-verdades e mentiras, mesmo que depois eles tentem novamente emplacar narrativas falseadas em cortes publicados nas redes. Eleitores que não se deixam seduzir totalmente avaliam então o desempenho de cada candidato à luz de tudo que foi dito e rebatido no debate, bem como analisado a partir dele.
Jair Bolsonaro, sem nunca ter apurado e revelado escândalo relevante algum, apontou a sujeira do PT nos debates de 2018 e venceu a eleição contra Fernando Haddad, que chegou a explorar o caso da suástica fake, feita por automutilação de uma jovem, como amostra de violência bolsonarista. Bolsonaro ainda teve todas as oportunidades de apontar a sujeira de Lula nos debates de 2022, mas, como a dele cresceu e também já era grande, permitiu que Lula se limpasse nela e perdeu a reeleição.
Agora, como se não bastassem todos os fatos sabidamente comprometedores na trajetória de Guilherme Boulos, do PSOL, incluindo a recente decisão de aliviar na Câmara o também lulista André Janones, defensor de rachadinha, o candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, sentiu a necessidade de inventar outro, sobre uso de cocaína, e ainda tentar legitimá-lo publicando um receituário falso da clínica de um amigo dele (já condenado por falsificar diploma de medicina), com assinatura em nome de um médico que já morreu e que, segundo sua secretária e sua filha, nunca trabalhou lá.
Marçal, como jornalista, é um ótimo captador de e-mails de aposentados para fraudes bancárias. O documento que ele publicou em três redes das quais acabou removido por ordem judicial, mas que segue circulando pelo WhatsApp, deve ter saído do mesmo baú onde Bolsonaro deixou as “provas” de fraude nas urnas, inclusive na eleição que venceu. Nada mais útil à esquerda cínica que uma “direita” mentirosa, porque o “nós contra eles” disputado na lama só favorece quem, nela, joga em casa.
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