Governo deve respeitar a Polícia Civil, mas não se render ao corporativismo
São Paulo recua de medida que permite à PM recolher provas de pequenos crimes, mas deve insistir na ideia
Recentemente, o governo de São Paulo se movimentou para implementar no estado o Termo Circunstanciado da Polícia Militar. Na prática, ele atribui à PM competência para coletar provas sobre “crimes de menor potencial ofensivo”, redigindo um boletim de ocorrência.
Imediatamente, a Polícia Civil se levantou contra a medida. Disse que ela invade uma atribuição exclusiva da corporação, a investigação policial. Na noite de segunda-feira, o governo paulista recuou e anunciou a criação de um grupo de trabalho para discutir o tema.
Nada contra o grupo de trabalho. É mesmo importante que as duas polícias conversem para acertar os ponteiros.
O governador Tarcísio de Freitas e seu secretário de Segurança Pública Guilherme Derrite – oriundo da PM – deveriam ter feito gestões diplomáticas antes de redesenhar as fronteiras entre as duas forças estaduais.
Não é prudente para nenhum gestor público tomar decisões que a Polícia Civil venha a interpretar como uma puxada de tapete. O Palácio dos Bandeirantes parece ter aprendido essa lição da pior maneira possível.
Ainda assim, o governo de São Paulo não deve abandonar a ideia.
O que é trabalho de investigação
Já escrevi sobre o assunto.
Embora seja novidade em São Paulo, o termo circunstanciado já foi adotado em diversos estados brasileiros.
Uma pesquisa divulgada em 2022 pelo Ministério da Justiça mostrou que os resultados são positivos tanto para a população quanto para o trabalho policial.
Diante, por exemplo, de um furto numa avenida – o típico delito objeto dos termos circunstanciados – é melhor permitir que a PM reúna os indícios e preencha um relatório digital do que forçar todo mundo a se deslocar até uma delegacia.
A vítima é atendida com maior agilidade, os policiais retornam mais rapidamente à sua ronda e os policiais civis podem se ocupar de casos mais complicados.
Além disso, o STF já decidiu que redigir um termo circunstanciado não se confunde com investigação policial e, assim, é uma atividade que pode ser realizada por PMs.
Repercussão geral
A Polícia Civil de São Paulo afirma que a tese só vale para Minas Gerais, mas isso é falso.
Em 2022, de fato, o STF analisou um caso relativo à PM mineira. Mas em fevereiro de 2023, numa ação diferente, estabeleceu uma tese de repercussão geral, vinculante para todos os órgãos da administração pública brasileira.
Desde então, não é mais possível alegar que um termo circunstanciado lavrado por um policial militar desrespeita a Constituição.
O governo de São Paulo deve respeitar a Polícia Civil, mas não deve permitir que o corporativismo impeça a adoção de uma medida que tende a beneficiar a população.
Repito o que disse anteriormente: “como os serviços públicos sempre deixam a desejar no Brasil, toda solução alternativa tem mérito, por princípio. Só onde as coisas funcionam muito bem os governos têm o direito de operar no piloto automático”.
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