Dino agiu como Robin Hood ao contrário nos cemitérios de SP
Ao determinar que as concessionárias de serviço funerário cobrassem preços de 2022 corrigidos pela inflação, ministro do STF anulou benefícios para os mais pobres
Flávio Dino (foto) interferiu nos preços dos cemitérios de São Paulo, em 24 de novembro, a partir da alegação de que a privatização levou a “práticas mercantis” das quatro concessionárias que tomam conta dos serviços funerários da capital paulista desde 2022.
Baseado em reportagens apresentadas pelo PCdoB em uma arguição de descumprimento de preceito fundamental, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que fossem restabelecidos “a comercialização e cobrança de serviços funerários, cemiteriais e de cremação tendo como teto os valores praticados imediatamente antes das concessões (‘privatização’), atualizados pelo IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo”.
A interferência por meio de decisão liminar é altamente questionável por si só, porque semeia a insegurança jurídica em contratos firmados há dois anos, mas esse caso de voluntarismo de um ministro do STF é pior ainda do que o normal, porque a decisão determinou o oposto do que pretendia.
Perda de benefícios
Como destacou a Prefeitura de São Paulo ao reclamar da liminar, a decisão “provoca a perda de benefícios“. “A decisão do STF elimina, por exemplo, o desconto de 25% do funeral social garantido pela nova modelagem”, disse a gestão de Ricardo Nunes (MDB) em nota.
Em manifestação enviada a Dino, a Prefeitura disse o seguinte:
“A decisão determina a adoção dos preços praticados pelo Serviço Funerário do Município de São Paulo – SFMSP – antes da concessão, partindo do pressuposto de que os valores anteriores seriam inferiores aos atuais. Ocorre, porém, que diversos dos serviços eram prestados pela Administração por valores superiores aos atuais.”
Robin Hood ao contrário
O Antagonista consultou um economista ambientado no ramo dos serviços funerários de São Paulo, que fez exatamente o que Dino determinou — corrigiu a tabela de 2022, de antes das concessões, pela taxa de inflação — e chegou à conclusão de que os únicos beneficiados com preços menores seriam aqueles capazes de pagar pelos serviços dos cemitérios mais nobres da capital paulista.
O único preço que cairia de maneira considerável (em 25,96%) a se seguir a instrução de Dino seria o sepultamento em cemitérios de categoria 1, os mais caros. Pela tabela atual, o valor é de 993,50 reais; aplicada a tabela Dino, o teto para essa cobrança cairia para 735,58 reais.
A maioria dos preços por outros serviços, como venda de caixão adulto, subiria 6,73%, mesmo na categoria popular, a mais barata. Nesse caso, o preço estipulado pelo órgão regulador, SP Regula, para as concessionárias é de 695,63 reais. Na tabela Dino, o teto seria de 742,44 reais.
No caso do caixão adulto da categoria social, o preço subiria 42,31%, de 585,79 reais para 833,63 reais. O aluguel de columbário, onde são guardadas urnas funerárias com cinzas de falecidos, seria elevado em 66%, de 588,86 reais para 982,64 reais.
Obra digna de um Robin Hood ao contrário, que, em vez de tirar dos ricos para dar ao pobres, como a personagem clássica da literatura inglesa, tira de quem tem pouco para dar a quem tem muito.
Subsídio
Essas inversões de preço ocorreriam porque, em sua decisão, o ministro do STF desconsiderou a “nova modelagem” mencionada pela Prefeitura. que foi adotada em 2022 para que os cemitérios mais caros subsidiassem os serviços funerários das áreas mais periféricas.
A concessão na capital paulista elevou os preços nos cemitérios mais caros em 20% e reduziu em 30% os valores cobrados na periferia. Em 2024, todos os preços foram corrigidos em 3,49%.
Ao impor como teto os valores de 2022 corrigidos pelo IPCA, Dino abriu o flanco para um reajuste de 10,45% — daí o aumento de 6,73% identificado na maioria dos preços da tabela Dino em relação aos valores cobrados pelas concessionárias até sua intervenção, em 24 de novembro.
Narrativa
Dino não levou nada disso em conta em sua decisão liminar. Pelo contrário, comprou a narrativa do PCdoB — ao qual, aliás, era filiado enquanto governou o Maranhão por dois mandatos. A narrativa, nas palavras do próprio ministro, é que “a morte de um brasileiro não pode estar acompanhada de exploração comercial de índole aparentemente abusiva”.
O ministro do STF se baseou em histórias como a cobrança de 12 mil reais para o enterro de um recém-nascido — um erro admitido pela concessionária responsável —, entre outras reclamações de clientes das concessionárias.
Segundo o portal g1, as quatro empresas responsáveis pelos serviços funerários de São Paulo desde 2022 já foram autuadas 134 vezes e multadas em 22 delas.
As reclamações devem ser apuradas e respondidas, naturalmente, para que o serviço melhore, mas o que se desenrola por trás dessa questão é uma batalha política encampada por partidos de esquerda, como PCdoB e PSOL, contra a privatização como alternativa para a prestação de serviços públicos.
Reajuste
Para evitar problema com o ministro do STF, a SP Regula determinou na quinta-feira, 28 de novembro, que as concessionárias dos serviços funerários de São Paulo adequassem seus preços à tabela Dino apenas nos casos em que os valores não subissem.
Isso foi informado a Dino pela Prefeitura:
“A Municipalidade, em total boa-fé, para dar efetividade à liminar tomou a seguinte providência: quando os valores praticados pelo SFMSP, anteriormente à concessão, eram maiores que os atualmente praticados, mantiveram-se os preços atuais da concessão, sob pena de causar grave prejuízo aos usuários, especialmente aos economicamente vulneráveis’.”
Audiência de conciliação
Em resposta à manifestação da Prefeitura, o ministro do STF receberá em audiência de conciliação na quinta-feira, 5, representantes das concessionárias, da gestão de Ricardo Nunes, do Tribunal de Contas do Município de São Paulo, da Procuradoria Geral de Justiça municipal, da Defensoria Pública local e da Câmara Municipal da capital paulista.
É de se questionar por que o ministro com “cabeça política” e muita disposição para atuar em pendengas municipais não convocou a audiência antes de interferir em acordos firmados há dois anos.
E também é de se torcer para que, instruído corretamente sobre a questão, Dino perceba o erro que cometeu — e, se não for pedir demais, reduza um pouco a disposição para interferir em tudo o que vê pela frente.
Leia mais: O lacrador de toga
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)