Como Elon Musk pode nos ajudar Como Elon Musk pode nos ajudar
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Como Elon Musk pode nos ajudar

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Rodolfo Borges
5 minutos de leitura 07.04.2024 12:19 comentários
Análise

Como Elon Musk pode nos ajudar

O dono do X comprou uma briga em tom de mártir em nome da liberdade de expressão, apesar de esse princípio ser a base do lucro de sua empresa. Não é herói, mas sua intervenção pode ajudar a resolver problemas

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Rodolfo Borges
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Como Elon Musk pode nos ajudar
Foto: Clauber Cleber Caetano/PR

Ao desafiar as decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, Elon Musk (foto) deixou claro a principal consequência prática de seu ato: “Como resultado, provavelmente perderemos todas as receitas no Brasil e teremos que fechar nosso escritório lá”. Caso morasse no Brasil, talvez ele também considerasse a possiblidade ser preso em algum momento, mas tratemos daquilo que realmente pode acontecer a partir de agora.

Como fazem sempre que possível, os lulistas já voltaram em falar na regulamentação das redes sociais e resgataram o PL das Fake News. Do outro lado do ringue, os bolsonaristas, que instigaram Musk a tomar partido nessa batalha, tratam o bilionário como o aliado mais forte a se erguer até agora na batalha contra Moraes.

O dono do X não tem esse poder todo, mas sua intervenção pode contribuir, sim, para algum avanço na forma como o Judiciário brasileiro optou por lidar com os diálogos virtuais. Musk pôs sobre a mesa a perspectiva conceitual da questão.

Lucro

Os princípios importam mais do que o lucro“, disse o dono do X, colocando-se na posição de mártir da causa. Mas, no caso de qualquer rede social, o princípio de liberdade de expressão é a base do lucro. Quanto mais pessoas falando e provocando outras a falar, melhor. Ainda que venha a perder algo no Brasil, o X tem a ganhar em todos os outros lugares com base nesse discurso.

Acrescentou-se muito pouco a esse debate desde que John Stuart Mill disse, em “Sobre a Liberdade”, que silenciar a expressão de uma opinião é prejudicar aqueles que discordam dela numa escala ainda maior do que o prejuízo imposto àqueles que concordam com ela.

“Se a opinião estiver certa, eles [os que discordam] são privados da oportunidade de trocar o erro pela verdade: se estiver errada, perdem, o que é um benefício quase tão grande, a percepção mais clara e a impressão mais viva da verdade, produzida pela sua colisão com o erro”, diz o filósofo.

Redes sociais

As redes sociais ampliaram e mudaram as condições para a troca dessas opiniões de forma fundamental. Outro filósofo britânico ajuda a entender a questão de forma simples. Em “A Teoria dos Sentimentos Morais”, o escocês Adam Smith diz que “em algumas ocasiões, a simpatia pode parecer surgir meramente da visão de uma certa emoção em outra pessoa”.

“A tristeza e a alegria, por exemplo, fortemente expressas no olhar e nos gestos de qualquer pessoa, afetam imediatamente o espectador com algum grau de emoção dolorosa ou agradável. Um rosto sorridente é, para qualquer pessoa que o vê, um objeto alegre; como um semblante triste, por outro lado, é melancólico”, completa Smith.

As redes sociais disseminaram o debate público à distância, sem a troca de olhares ou gestos que impediriam os interlocutores, em sua maior parte desconhecidos sobre os quais não se sabe nada acerca de índole ou intenção, de dizer coisas que nos desagradam. Essa é a base da alta tensão e das desconfianças que passaram a definir as relações nas redes sociais.

Fake news

Foi nesse ambiente que se desenvolveu o conceito de fake news, um atenuante para mentira. Durante a pandemia de coronavírus, a disseminação de fake news — alegações não comprovadas, numa definição mais branda —sobre vacinas e medicamentos contribuiu para dificultar uma situação que já era extremamente complicada.

É preciso reconhecer que o poder público não conseguiu lidar direito, no mundo inteiro, com as desconfianças de parte da população, que tinha razões para duvidar de tecnologias novas e alegadamente tão eficientes.

A situação das autoridades também não era confortável, diga-se, mas o fato é que, em nome da emergência, foram tomadas medidas e feitas afirmações no mínimo arriscadas — o próprio conceito de vacina, um atenuante para os efeitos da doença que virá inevitavelmente, se perdeu pelo caminho, em meio a promessas de blindagem contra o coronavírus.

Vacina

O Judiciário brasileiro tomou várias iniciativas para contrapor o discurso do então presidente Jair Bolsonaro, que adotou uma posição contraditória contra as vacinas que seu próprio governo comprava e distribuía, depois de provocado por João Doria com a Coronavac, e hoje lida judicialmente com a questão.

De lá para cá, em meio a indícios de uma trama para golpe de Estado protagonizada pelo próprio Bolsonaro, o STF escalou ladeira a baixo (assim mesmo), pelas mãos de Alexandre de Moraes, na tentativa de controlar o que pode ou não ser dito nas redes sociais, e quem pode ou não falar, como expôs mais uma vez o Twitter Files.

O problema é que, mesmo quando essa proibição se aplica a uma mentira deliberada, ela recai na lógica exposta por Stuart Mill há quase dois séculos (de que é melhor deixar a mentira circular, nem que seja para desmenti-la).

Mentiras convenientes

Ao apontar assuntos tabu e silenciar vozes sem passar minimamente pelo longo e desgastante devido processo legal, o STF não está protegendo o país da forma como imagina, não apenas porque esses assuntos e essas vozes continuam circulando — e sob o risco de censurar opiniões legítimas e proveitosas —, mas porque as alegadas mentiras ganham uma aura de verdades inconvenientes, sem nem sequer merecer na grande parte dos casos.

Oportunismos à parte, o desafio de Musk a Moraes é mais uma oportunidade que o Brasil ganha para debater com seriedade e mais equilíbrio um problema real e complicado demais para ser decidido pela caneta de apenas um ministro do STF.

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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