Com Lula e Pacheco no ringue, torça pela briga
Na discussão sobre corte de impostos sobre os salários de prefeituras, ninguém deveria sair completamente vitorioso
Este é um daqueles casos em que vale torcer pela briga, uma vez que nenhum dos lados merece simpatia.
Refiro-me à luta do governo Lula com o Senado, presidido por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), em torno da cobrança de impostos que incidem sobre os vencimentos de funcionários municipais.
A história vem desde o ano passado, quando o Congresso aprovou uma lei que proporcionava benefícios tributários até 2027 a grande parte dos municípios brasileiros (aqueles com menos de 142.633 habitantes) e a 17 setores da economia.
Lula vetou.
O Congresso derrubou o veto.
No round seguinte, o governo editou uma medida provisória, revogando os benefícios integralmente para as cidades e parcialmente para as empresas.
STF como árbitro
O Senado disse que não aceitaria e chegou-se a um acerto: por meio de uma nova MP, o governo “revogou a revogação” relativa aos 17 setores da economia, abrindo caminho para que ela seja tratada em um projeto de lei, com negociação mais alongada.
Sobrou a questão do imposto previdenciário que incide sobre a folha de pagamento das prefeituras.
O governo, então, decidiu judicializar a coisa toda. Disse ao STF que o Congresso reduziu os encargos sem medir o impacto fiscal da medida e que isso contraria a Constituição.
Nesta quinta-feira, 25, o ministro Christiano Zanin — aquele, que foi advogado de Lula — concordou com os argumentos da União e suspendeu os benefício tributários.
A votação acontece no plenário eletrônico do STF e, até a tarde desta sexta, Gilmar Mendes e Flávio Dino haviam acompanhado o entendimento do relator, deixando o placar em 3 a 0.
O governo tem razão
Já tratei da desoneração da folha de pagamento para setores escolhidos a dedo em um artigo anterior. Vou me concentrar na questão dos municípios.
O governo parece ter razão quando diz que o Congresso não avaliou o custo do corte de impostos que implementou.
Pode-se escarafunchar o site do Senado, onde o projeto nasceu, em busca de um estudo de impacto financeiro. Nada será encontrado de forma explícita.
Quando o assunto passou pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) da casa, o relator Angelo Coronel fez apenas observações genéricas sobre o fato de que reduzir a tributação dos municípios “não impacta o setor público de forma global, pois deixa-se de arrecadar de um ente federativo para outro”.
O senador alegou também que a lei dá “fôlego financeiro para que esses entes possam melhorar os seus serviços de saúde básica e educação infantil”.
Cidades sem arrecadação
Faz tempo que a criação de municípios no Brasil deixou de levar em conta a sua viabilidade econômica – se é que um dia houve preocupação com isso.
Há milhares de cidades que não arrecadam o suficiente para entregar serviços básicos à população, ou seja, não têm comércio, indústria ou atividade no campo que justiquem sua existência como um ente autônomo. Essas cidades acabam sendo sustentadas integralmente por repasses dos estados e da União. A principal fonte de renda da população são os salários pagos pela prefeitura.
Cidades desse tipo são um bom negócio para os políticos que as controlam. Só para eles – e para os senadores e deputados que advogam a seu favor em Brasília, na esperança de colher apoio para suas próprias campanhas de reeleição.
Reduzir a cobrança de encargos sobre a folha de salários dessas prefeituras não é mais do que gambiarra, uma politicagem feita em nome do municipalismo – a ideia de que é preciso fortalecer os municípios na federação –, sem promovê-lo de fato.
O governo não tem razão
Criar despesas ou cortar receitas sem fazer contas é um dos hábitos mais perniciosos do Congresso. Senadores e deputados se entregam a isso alegremente, como se não houvesse amanhã.
Ao mesmo tempo, não há como simpatizar com a sanha de arrecadação do governo, que deseja cobrir todas as necessidades de ajuste fiscal espremendo os contribuintes.
Não faz nem dez dias que Lula admitiu que as metas com que se comprometeu durante as discussões sobre o arcabouço fiscal não serão cumpridas. Ele empurrou para o próximo governo, seja ele qual for, a obrigação de apertar o cinto e reduzir os gastos públicos, com aquela velha justificativa, à la Dilma Rousseff, de que “gasto é vida”.
Na verdade, “gasto é voto” – a ferramenta que ajuda um governante a sair bem no filme às vésperas de uma eleição. O político se beneficia no curto prazo e o país, se estrepa no longo.
Problemas profundos
A briga entre Lula e Pacheco é sintoma de problemas profundos, que não têm solução a curto prazo: um Estado guloso de impostos, uma federação mal desenhada.
Políticos sérios tentariam abordar o assunto, mas isso não vai acontecer no octógono que está montado.
O melhor, portanto, é que nenhum dos dois lados comemore uma vitória por nocaute.
Se o STF suspender definitivamente a lei, como parece que vai acontecer, o Congresso deve pressionar o governo para que volte à mesa de negociações. Idealmente, todos sairão do embate cansados e insatisfeitos, levando apenas uma parte daquilo que desejam.
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