Claudio Castro, Jorge Seif e a encrenca para o TSE
Casos do governador e do senador chegam à corte eleitoral com decisões que parecem contradizer uma jurisprudência bem estabelecida
Há pelo menos uma década, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vem afirmando que atos de abuso de poder político ou econômico não precisam ter impacto extraordinário nas urnas para resultar em cassação de mandato.
Isso está de acordo com a Lei das Inelegibilidades, segundo a qual “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”.
Os tribunais regionais eleitorais, no entanto, parecem não estar em plena sintonia com o TSE. Dois casos de alta voltagem demonstram isso, o do governador do Rio de Janeiro Claudio Costa (PL) e o do senador catarinense Jorge Seif (PL).
Castro
Na noite desta quinta-feira, 23, Costa (foto) safou-se de perder o mandato em um julgamento no TRE do seu estado. O placar foi apertado: 4 a 3.
Costa é acusado de ter feito milhares de contratações clandestinas às vésperas do período eleitoral de 2022, inclusive no período de três meses imediatamente anteriores à votação, quando a legislação proíbe que novos funcionários sejam admitidos no serviço público.
Alguns desses funcionários teriam dado andamento a novos programas sociais no Rio de Janeiro, o que também é proibido em época de campanha.
Mesmo entre os desembargadores que inocentaram o governador, houve o reconhecimento de que os indícios de ilegalidade são fortes. Segundo eles, no entanto, as contratações e os gastos associados a elas não teriam impactado no resultado das eleições. Costa venceu com mais de dois milhões de votos de vantagem em relação ao segundo colocado, o petista Marcelo Freixo.
Na argumentação desses juízes, o governador pode até ser punido no futuro por improbidade administrativa, mas seus atos não são causa para uma cassação. O direito eleitoral tem sua própria lógica.
Seif
Em novembro do ano passado, Seif foi inocentado por unanimidade, no TRE de Santa Catarina, da acusação de abuso de poder econômico, também nas eleições de 2022.
Ele teria utilizado a estrutura da empresa Havan para produzir vídeos de campanha e também teria voado em aeronaves cedidas pelo dono da rede de lojas, Luciano Hang, sem a devida declaração dos gastos.
No caso do uso das aeronaves, o tribunal considerou as provas inconclusivas. Quanto ao uso da estrutura da Havan, os indícios foram tidos como fortes, mas novamente pesou bastante a alegação de que não houve impacto significativo no resultado eleitoral.
No TSE, o julgamento do caso de Seif começou em 30 de abril. Esperava-se um voto duro do relator Floriano de Azevedo Marques contra o senador. Surpreendentemente, o ministro pediu o levantamento de mais informações sobre o uso das aeronaves de Luciano Hang. Esse material já foi entregue a Marques e a análise do caso no plenário da Corte deve ser retomada em junho.
O desafio da jurisprudência
Também é certo que o processo de Claudio Castro vai subir ao TSE. O Ministério Público Eleitoral (MPE) anunciou a intenção de recorrer logo depois de encerrado o julgamento no Rio de Janeiro, nesta quinta.
Segundo os representantes do MPE, os votos que inocentaram o governador ignoram a jurisprudência vigente no TSE sobre abuso de poder – aquela que torna dispensável a comprovação de um impacto extraordinário na votação.
Os casos de Seif e Castro não são idênticos. Um diz respeito a recursos de origem privada, o outro ao uso da máquina pública para fins eleitorais.
Os dois, no entanto, sobem ao TSE depois de decisões que, ao menos na superfície, contradizem uma jurisprudência já bem estabelecida na Corte. Dada a conjuntura, isso impõe uma tarefa delicada aos ministros que terão de decidi-los.
Técnica ou conveniência política?
Como mostra a Crusoé desta semana, o julgamento de Jorge Seif passou a ser tratado como possível fator de distensionamento na relação entre o Congresso e o Judiciário. Livrar o senador, bolsonarista de carteirinha e detrator contumaz do TSE e do STF, seria um passo importante para aliviar o estresse.
Em outras palavras, já está na praça o alerta de que a conveniência política pode se sobrepor à técnica jurídica e até à própria jurisprudência do tribunal no desfecho dessa novela.
Mudança ou manutenção da jurisprudência existente também vão repercutir no julgamento de Claudio Castro, quando ele chegar ao plenário, daqui a algum tempo. O mandato de um governador estará em jogo – todos os votos serão analisados com lupa.
Se ficar a impressão de que a decisão dos ministros foi casuística, mais uma lasca da reputação de uma Corte já bastante contestada será arrancada. Veremos como se sai o TSE.
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