Biden, Lula e o etarismo
A velhice foi um problema real para o americano. No caso de Lula, o mais grave são as ideias decrépitas
Cheguei a um ponto em que vira e mexe sou o sujeito mais velho da sala. Não acontece todos os dias, mas acontece. Daqui a pouco, vou poder contar nos dedos de uma só mão os anos que me separam do time dos idosos nas estatísticas do IBGE. Por isso, dei alguma atenção ao tema do “etarismo” no drama do presidente americano Joe Biden. Ele foi mesmo forçado a desistir da reeleição por causa de um preconceito contra gente velha?
Que os 81 anos de Biden tiveram um peso determinante na perda de confiança em sua capacidade de exercer o cargo adequadamente, não há dúvida. A questão é se houve preconceito, ou seja, um julgamento apressado e descasado de evidências. Aí, a resposta é claramente negativa.
O peso do tempo
Os sinais de que o tempo pesa nos ombros de Biden foram se acumulando ao longo do seu mandato. O debate no final de junho em que ele se mostrou desorientado, incapaz de articular argumentos e fisicamente frágil apenas cristalizou essa imagem.
O Partido Democrata e, mais importante, os eleitores, reagiram ao que viram na TV. O site americano Politico publicou a melhor reportagem sobre os momentos que antecederam o anúncio de que Biden havia desistido. Segundo o relato, o presidente, que por mais de vinte dias havia rejeitado a ideia de abandonar a corrida, jogou a toalha quando seus dois conselheiros mais próximos, Steve Ricchetti e Mide Donilon, lhe mostraram pesquisas que anulavam qualquer perspectiva de vitória em novembro.
Uma das características do nossa época é acreditar que a natureza humana é maleável. Essa crença se manifesta de muitas maneiras, algumas boas, outras nem tanto.
A ciência trabalha para estender a nossa expectativa de vida e já teve, de fato, conquistas extraordinárias.
Gente das humanidades procura mostrar que muitas certezas não passam de estereótipos, ou “construções sociais”, como gostam de dizer, que podem ser perversas.
O problema é quando esse inconformismo com a maneira como as coisas se apresentam, que tem seus méritos, se transforma em cacoete. Em circunstâncias concretas, nem tudo é maleável. Nem tudo é preconceito. Insistir no contrário pode levar a desastres e absurdos.
Realidade e ficção
A escritora americana Ursula Le Guin foi um dos grandes nomes da ficção científica. Passou a vida imaginando realidades alternativas. Quando tinha 80 anos começou a escrever um blog em que mostrou absoluto respeito pela realidade presente. Os textos estão reunidos no livro Sem Tempo a Perder (lançado no Brasil pela editora Goya).
“Perdi a fé no ditado ‘Você só é tão velho quanto pensa que é’ desde que fiquei velha”, escreveu ela em um dos ensaios.
E ainda: “Se eu tiver 90 anos e acreditar que tenho 45, estou fadada a passar por maus momentos ao tentar sair da banheira (…) A velhice é para qualquer um que chega lá. Guerreiros envelhecem; fracotes envelhecem. Na verdade, é provável que mais fracotes do que guerreiros envelheçam. A velhice é para os saudáveis, os fortes, os fracos, os covardes, os incompetentes.”
É um jeito sábio de ver as coisas.
Se um presidente de quem a velhice começou a cobrar seu pedágio continua insistindo que está em plena forma, as consequências podem ser piores do que ele enfrentar maus momentos para sair do banho. Um país inteiro pode se encrencar. Sendo o país os Estados Unidos, a encrenca pode se estender ao mundo todo.
Biden não foi vítima de nenhum preconceito. A pressão para que largasse o osso foi sensata.
Ideias decrépitas
Tenho uma última consideração sobre esse assunto. Nesta semana, a petista Gleisi Hoffmann recorreu à cartada do etarismo para reclamar de comparações entre Biden e Lula.
Estou de acordo com ela no sentido de que o presidente brasileiro, com seus 78 anos, não demonstra os mesmos sinais de senilidade de sua contraparte americana. O nosso problema é outro.
Com Lula, Gleisi e companhia no poder, o Brasil é governado por ideias velhas, para não dizer decrépitas. A visão de mundo que orienta as políticas do PT na economia, na diplomacia ou na segurança pública vêm de décadas atrás e não atende às necessidades do presente. Aliás, a maioria delas já era ruim mesmo quando novas.
Apoiado nelas, o país corre o risco de se afogar em uma banheira.
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