As mórbidas semelhanças entre STF e a Suprema Corte dos EUA
Alergia à transparência e aproximação com política partidária maculam imagem dos tribunais nos dois países
Ministros do STF costumam dizer que comparações com a Suprema Corte dos Estados Unidos (foto) são indevidas.
As tradições jurídicas são diferentes. O volume de casos decidido anualmente não tem equiparação possível (35 mil por aqui; 150 nos EUA). As competências da Corte brasileira, foro até para casos penais, vão muito além das competências da americana, que se dedica quase que inteiramente a verificar a constitucionalidade de atos dos outros poderes.
Tudo isso é verdade. Nas últimas semanas, no entanto, está difícil ignorar as semelhanças.
Viagens com amigos
Nesta sexta-feira, 7, o juiz Clarence Thomas reconheceu que teve duas viagens pagas em 2019 por um amigo empresário: uma para Bali, outra para um resort na Califórnia. Nos dois casos, coisa de gente fina. A divulgação veio acompanhada de uma nota: ele disse que deixou de declarar os presentes “inadvertidamente” no momento adequado.
O gesto de Thomas acontece num momento em que a Suprema Corte americana sofre fortíssima pressão para tornar-se mais transparente. Em novembro do ano passado, ela se viu compelida a estabelecer pela primeira vez um código de conduta.
O folheto de nove páginas diz que os juízes não devem participar de atividades que afetem a dignidade do cargo, ponham em dúvida a imparcialidade de seus votos ou provoquem “desqualificação frequente”.
Simpatias políticas
As viagens de Thomas, que já haviam sido descobertas pela imprensa, foram um dos estopins para a publicação do código. A viagem de pesca de outro ministro, Samuel Alito, paga por dois políticos republicanos e que também envolveu estadia num hotel de luxo, ampliou a pressão pública.
Além da alergia à transparência, a percepção de que a Corte americana está cada vez mais afundada na política também a aproxima da sua contraparte brasileira.
Em meados de maio, uma bandeira americana foi hasteada de cabeça para baixo em frente à casa, mais uma vez, do juiz Alito. O gesto tem um significado: indica a crença de que as eleições em que Donald Trump perdeu para Joe Biden foram roubadas e que o país corre perigo. Alito disse que a iniciativa foi de sua mulher. Mas refletiu-se sobre ele, como seria de se esperar. O magistrado foi nomeado pelo ex-presidente americano George W. Bush.
Legitimidade em queda
As confraternizações com empresários e políticos que podem ter interesses na Corte e os melindres com a divulgação de despesas têm paralelos óbvios com fatos recentes no STF.
A bandeira hasteada na casa de Alito faz lembrar a declaração de Luis Roberto Barroso num encontro da UNE: “Nós derrotamos o bolsonarismo!”
Isso leva à última semelhança. Os dois tribunais mostram déficits de legitimidade. Numa pesquisa Datafolha divulgada em março, 29% dos brasileiros disseram aprovar o trabalho do STF; 28% disseram desaprová-lo e 40% o consideraram regular. Nos Estados Unidos, a avaliação da Suprema Corte nunca foi tão ruim: 61% reprovam o seu trabalho, contra 39% que têm visão favorável dele, segundo pesquisa da Universidade Marquette.
O STF e a Suprema Corte americana são muito diferentes, mas demandas por transparência e distanciamento da política partidária valem nos dois casos. São, na verdade, imperativos universais. E óbvios.
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