A operação-abafa da Vaza Toga e os ataques de Moraes e Gilmar à imprensa A operação-abafa da Vaza Toga e os ataques de Moraes e Gilmar à imprensa
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A operação-abafa da Vaza Toga e os ataques de Moraes e Gilmar à imprensa

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Felipe Moura Brasil
10 minutos de leitura 15.08.2024 16:18 comentários
Análise

A operação-abafa da Vaza Toga e os ataques de Moraes e Gilmar à imprensa

Cadê as acusações de “conluio” de um homem só e de “Estado policialesco” monocrático?

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Felipe Moura Brasil
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A operação-abafa da Vaza Toga e os ataques de Moraes e Gilmar à imprensa
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

1. A concentração de poder

Ministro do Supremo Tribunal Federal que acumula o cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral já concentra poder demais, como fez Alexandre de Moraes nas duas Cortes superiores, de agosto de 2022 a junho de 2024.

Leia também: A gravidade da Vaza Toga

A concentração se agrava se ele usa o alegado “poder de polícia” do TSE para coletar provas que embasem suas próprias decisões como relator de inquéritos no STF (sobretudo quando estes trazem vícios de origem, como apontei na raiz em 2019, ao contrário do então presidente da República, Jair Bolsonaro).

Se o procedimento é feito extraoficialmente, via WhatsApp, com seu principal assessor no STF encaminhando ao responsável pela produção de relatórios no TSE não só pedidos e orientações do ministro, mas também materiais apontados por ele sobre alvos pré-determinados, o agravante se turbina.

Se o assessor no STF admite ser “coisa muito descarada” o fato de que seu interlocutor no TSE “obedece e manda um relatório” e que, “se alguém for questionar”, “ficaria chato”, temos a confirmação da clandestinidade e da gravidade dos procedimentos, bem como da consciência delas, ambas agravadas por outros três fatores:

  • as pressões por enxertos capazes de sustentar decisões previamente desejadas (“Vamos levantar todas essas revistas golpistas para desmonetizar nas redes”; “O Ministro entendeu que está extrapolando com base naquilo que enviou…”);
  • as recomendações de engenhosidade artificial no apontamento de irregularidades (“use a sua criatividade”; “pegue uma ou outra fala, opinião mais ácida”);
  • a manifesta preocupação do autor dos relatórios, incluindo sugestão para simular a correção do procedimento: “Temos que tomar cuidado”; “Nem que crie um e-mail para enviar para nós uma denúncia”).

Se os relatórios do TSE ainda encobrem a origem dos materiais, atribuindo genericamente a “parceiros” do setor de enfrentamento à desinformação, ou a denúncias anônimas, a ação realizada de modo consciente e voluntário pelo ministro do STF, a gravidade aumenta.

Se ele, como relator, toma qualquer decisão contra um ou mais alvos, com base em relatórios de Corte superior encomendados clandestinamente, artificiosos em seu conteúdo e/ou enganosos em relação à origem dele, fecha-se o ciclo básico de um Estado policialesco monocrático.

2. A operação-abafa da Vaza Toga no STF

Em 30 de julho, dois dias após a fraude eleitoral de Nicolás Maduro na Venezuela, comentei no X:

“Sempre que denunciamos no Brasil a instrumentalização política de instituições, tribunais, corporações, órgãos de fiscalização e controle, estatais e imprensa, é para que o país não fique refém de um ditador como Maduro ou, como em parte já é, de uma casta com tentáculos em tudo.”

A casta de Moraes, claro, saiu em defesa de seus tentáculos. No plenário do STF, enquanto o presidente da Corte, Luis Roberto Barroso, entre um gole e outro de café, falou em “tempestade fictícia”, Gilmar Mendes partiu logo para a desqualificação, associando a Vaza Toga a:

  • “ataques que visam a minar a independência e a integridade das instituições que sustentam o Estado Democrático de Direito”;
  • “setores críticos à atuação do STF no combate às fake news, na defesa da democracia e da lisura das eleições”;
  • “tentativa de reconstrução, com uma nova roupagem, de teses de defesa de investigados que, há muito, procuram deslegitimar a atuação do eminente relator nessas investigações”.

Na verdade, Gilmar e outros aliados de políticos e empresários acusados de suborno procuraram deslegitimar a atuação de juízes e procuradores da Lava Jato com a narrativa do “conluio” e do “Estado policialesco”, com frequência baseada em ilações sobre conteúdo não autenticado de mensagens roubadas por hackers. Agora, defendem a versão monocrática e licitamente comprovada do mecanismo que dizem repudiar. Uma versão na qual o juiz investiga, produz as provas, acusa e julga, sem nada mais que dar ciência, quando muito, ao Ministério Público. Em outras palavras: o “conluio” de um homem só.

Moraes então emendou: “Presidente, Vossa Excelência e o ministro Gilmar já colocaram de forma clara o que talvez, se houvesse uma consulta ao gabinete, teria ficado claro anteriormente a qualquer das matérias.”

A julgar pelo registro da Folha de que o gabinete de Moraes não respondeu à reportagem antes de sua publicação, a narrativa de que ele não foi consultado é fake news do ministro. Quando o jornal atualizou a matéria, incluindo sua nota posterior, lembrou que “procurado, o gabinete de Moraes inicialmente não se manifestou”.

O ministro, assim como seus pares, ignorou o conteúdo de mensagens e áudios da Vaza Toga, e defendeu seu poder simultâneo de relator em um tribunal superior e de polícia em outro, criticando a Polícia original, digo, Federal, que ele decidiu simplesmente contornar.

“Obviamente, o caminho mais eficiente da investigação naquele momento era a solicitação ao Tribunal Superior Eleitoral, uma vez que a Polícia Federal lamentavelmente, num determinado momento, pouco colaborava, nós sabemos, com as investigações, retirando o apoio do delegado. O delegado que atuava nos inquéritos chegou a ficar com um único agente policial para poder realizar todas as diligências.”

Se “obviamente” era o caminho mais “eficiente”, por que tanto o assessor no STF quanto o assessor no TSE manifestaram preocupação com a clandestinidade dos procedimentos? Por que encobrir os rastros de Moraes em relatório? Será que é porque o rito mais “eficiente” na visão do ministro não era, afinal, o correto?

Moraes ainda alegou que seria esquizofrênico me auto-oficiar, até porque, como presidente do TSE, no exercício do poder de polícia, eu tenho… eu tinha o poder, pela lei, de determinar a feitura dos relatórios”, aqueles mesmos que ocultaram sua atuação no encaminhamento dos pedidos, das orientações e do material.

Ou seja: em vez de colocar em questão sua concentração de múltiplos poderes e de ao menos reconhecer a legitimidade da crítica a ela, o ministro vai na contramão, justificando sua falta de transparência pela própria natureza dessa concentração, que obrigaria – imagine – o Moraes do STF a oficiar o Moraes do TSE, e o Moraes do TSE a oficiar o setor do TSE de enfrentamento à desinformação, com a devida publicidade a cada um desses ofícios. É por isso que democratas repudiam a concentração de poder: ela abre margem para novos abusos.

Não surpreende que, em sua nota, o ministro tenha se amparado na Procuradoria-Geral da República, atualmente chefiada por Paulo Gonet, ex-sócio de Gilmar que, como previsto, ecoou o padrinho no salvo-conduto ao aliado, seja com alegações vagas (“onde cabia nos processos sob a relatoria” de Moraes, “houve a abertura de oportunidade para a atuação do Ministério Público”), seja com atestados de compadrio (“eu pude pessoalmente verificar”… “marcas de coragem, diligência, assertividade e retidão nas manifestações, nas decisões e no modo de conduzir o processo do ministro”). Na época em discussão, Gonet nem sequer era o chefe da PGR, então sob Augusto Aras.

Fugir da análise específica dos fatos objetivos para o elogio pessoal da autoridade pública e a desqualificação genérica da revelação de elementos comprometedores sobre sua atuação é uma forma tradicional de tentar vencer um debate sem precisar ter razão alguma.

O sistema de Justiça brasileiro foi tomado pelo cinismo dos compadres.

3. O ataque de Moraes à imprensa

Amparado pela casta no plenário, Moraes se sentiu mais à vontade, à noite, em seminário promovido pelo IEJA (Instituto de Estudos Jurídicos Aplicados) sobre a “regulamentação” das redes sociais, para atacar a imprensa, como se ela fosse ingrata por serviços alegadamente prestados pelo STF contra ameaças virtuais e golpistas.

Ao mencionar o “populismo extremista” dos influenciadores que espalham “notícias fraudulentas nas redes para confundir”, o ministro afirmou que “a mídia tradicional combateu isso” e “o Poder Judiciário foi em defesa dos direitos da mídia tradicional”.

“Só que, lamentavelmente, hoje, nós começamos a ver alguns meios de comunicação, eu diria, ao invés de tentar trazer para a legalidade, trazer para o binômio constitucional de liberdade e expressão, liberdade com responsabilidade, ao invés de brigar pelo papel da liberdade de imprensa, imprensa livre numa democracia, alguns meios de comunicação se rendendo ao dinheiro fácil das mídias sociais, preferindo postar notícias fraudulentas, primeiro, nas redes sociais, em seus blogs, em seus sites, para monetizar e ganhar, e só depois no jornal.

Mas sem fazer nenhuma consulta, sem analisar, como sempre foi o papel da mídia tradicional, e por isso a respeitabilidade que atingiu. Jornalistas atuando como blogueiros, para ter likes. Eles mesmos publicam sem checar nada e depois vão tuitando comentários sobre comentários para ter likes, porque quanto mais likes tiver, mais ele está ganhando. Esse é um outro perigo, o perigo de nós termos a contaminação da mídia, da imprensa livre, que é um pilar da democracia, pelos métodos fáceis de ganhar dinheiro que a rede social propicia.

Por isso a regulamentação específica, a regulamentação específica é necessária e urgente, e na ausência dela, imediatamente o Poder Judiciário passar em todos os casos a aplicar a regulamentação genérica.”

Moraes não se referiu diretamente à Vaza Toga, mas nem precisou. Todo esse ranço contra a imprensa – manifestado na esteira do escândalo e com elementos sintomáticos de referência enviesada (como “hoje, nós começamos a ver” e “sem fazer nenhuma consulta, sem analisar”) – apenas confirmou o incômodo do ministro com a exposição de seus métodos.

Na Brazil Conference deste ano, em 6 de abril, Barroso declarou que “o Brasil é um país em que as pessoas se ofendem com o que fazem”; e eu, Felipe, comentei em painel do evento, no dia seguinte, que “isso é verdade e se aplica a vários colegas do ministro Barroso no STF”. Moraes me dá razão.

Agora, como Maduro, ele quer ainda mais poder para editar o debate público e já ameaça aplicar “regulamentação genérica” enquanto a específica não for aprovada pelo Congresso.

O Moraes do STF e o Moraes do TSE, pelo visto, sentem falta de um Moraes na Câmara e outro no Senado, para resolver logo tudo, pelo zap.

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