O cavalo de Troia que Lula pôs no BC
O mercado não achou ruim a mudança no sistema de metas de inflação anunciada pelo governo nesta quinta-feira (30)...
O mercado não achou ruim a mudança no sistema de metas de inflação anunciada pelo governo nesta quinta-feira (30). A partir de 2025, em vez de precisar atingir um alvo pré-determinado a cada ano, sempre com uma folga para cima ou para baixo, o Banco Central terá de perseguir continuamente uma meta de 3% de inflação, justificando as políticas que adotou em períodos mais longos de tempo – possivelmente de 24 meses.
Há pelo menos três motivos para que esse novo sistema tenha sido visto com bons olhos. Primeiro, havia o temor de que Lula fosse forçar o Conselho Monetário Nacional (CMN) a ampliar as metas de inflação para os próximos anos. O governo tem maioria no órgão, que reúne os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do planejamento, Simone Tebet, além do presidente do Banco Central Roberto Campos Neto. Uma vez que Lula não conseguiu obrigar Campos Neto a baixar as taxas de juros no grito, apesar de gritar muito, poderia tentar coagi-lo a fazer esse movimento contratando uma inflação mais alta. Como não houve essa pirueta e a meta de inflação foi definida em 3%, sobraram aplausos.
Outro motivo é que muitos países, dos Estados Unidos à Nova Zelândia, adotam o sistema de meta contínua. O próprio Campos Neto considera esse mecanismo melhor do que o que o Brasil vinha utilizando há quase um quarto de século. Seria, portanto, uma melhoria técnica, que permite ao BC ser mais flexível no manejo da política monetária. A flexibilidade, justamente, é a terceira razão para a mudança ter sido bem recebida.
Tudo isso é muito bonito em abstrato. O problema é Lula.
O novo sistema passa a valer em 2025. Em dezembro de 2024, Campos Neto deixa a presidência do BC, que então será ocupada por um nome indicado pelo presidente da República. Esse executivo terá de perseguir uma inflação de 3%, mas disporá de maior autonomia para definir como o fará e só precisará se explicar bem lá na frente – depois das eleições de 2026, que Lula deve disputar.
Vejam o paradoxo: na prática, Lula passará os dois últimos anos do seu atual mandato com um Banco Central dotado de mais autonomia para servir… aos interesses de Lula.
E não será surpresa nenhuma se isso se traduzir em inflação mais elevada ao longo de 2026. É da natureza do PT tolerar (ou desejar, na verdade) sempre “um pouquinho a mais de inflação”. Mencionei a razão disso num artigo nesta quarta-feira.
Governos têm três maneiras de lidar com o problema fiscal: aumentar impostos, cortar gastos públicos ou deixar que a inflação reduza o peso do seu endividamento, desvalorizando a moeda. Como os brasileiros não engolem mais a primeira alternativa e o PT só sabe governar com gastança, sobra o recurso à inflação – uma saída perversa, que beneficia o governo no curto prazo, mas põe tudo o mais em risco no correr do tempo.
Espero estar errado, mas a manutenção da meta de inflação em 3% nesta semana foi uma vitória de Pirro. Lula, na verdade, ganhou a oportunidade de aquecer a economia até as raias da irresponsabilidade em 2026, ano eleitoral, sem que um indicador seguro da malandragem (o velho e bom sistema de metas de inflação) esteja à vista de todos. Ele pôs no BC um cavalo de Tróia – sem nenhum alarde.
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