O saidão dos patriotas
Uma mesa fartamente servida com café, bolo, sucos, canjica doce, quentinhas com churrasco – comprados numa conhecida churrascaria de Brasília—, além de refrigerantes geladinhos, aguardava os 173 manifestantes bolsonaristas, presos pelo dia 8 de janeiro e libertados na quarta-feira (1º) após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF)...
Uma mesa fartamente servida com café, bolo, sucos, canjica doce, quentinhas com churrasco – comprados numa conhecida churrascaria de Brasília—, além de refrigerantes geladinhos, aguardava os 173 manifestantes bolsonaristas, presos pelo dia 8 de janeiro e libertados na quarta-feira (1º) após decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Vestidos com roupas brancas, os ex-detentos desembarcavam de ônibus vindos diretamente da Papuda ou da Colmeia no Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico (Cime), localizado na antiga Rodoferroviária da capital federal. O grupo era recepcionado por advogados e alguns poucos familiares, já que a maioria é de outros estados.
Todos estavam orientados a não conversar com jornalistas, mas a reportagem de O Antagonista conseguiu acompanhar o movimento e entrevistar alguns dos presentes, que pareciam integrar uma rede de apoio para distribuição de roupas, comida, passagens de ônibus para suas cidades e dinheiro para necessidades mais urgentes.
Debruçado sobre o gradil que isolava o Cime, o empresário e youtuber João Victor Oliveira Araponga Salas, mais conhecido como João Salas, observava a movimentação na unidade penal responsável por cumprir as decisões judiciais que envolvem a monitoração de pessoas por meio de tornozeleiras eletrônicas.
Apoiador de Jair Bolsonaro, ele teve seu canal do Youtube bloqueado por ordem de Moraes, após participar de outros protestos contra o resultado eleitoral e em defesa do indulto concedido pelo ex-presidente a Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo plenário do STF a 8 anos e 9 meses de prisão.
No Cime, uma militante da direita, ao vê-lo, comenta com a reportagem: “Ele é o cara do Eustáquio [referindo-se ao blogueiro foragido Oswaldo Eustáquio]. Pode falar com ele porque ele está pagando passagens de ônibus para as pessoas voltarem para casa.” Salas, ex-candidato a deputado distrital do DF em 2018 e 2022, confirma a informação.
“Não sou o ‘cara do Eustáquio’, somos amigos. Tenho gratidão por ele. E estou vivendo minha vida aqui e ele fazendo as coisas dele lá”, declara Salas. Você não está me gravando, né? Estou aqui para ajudar. O dinheiro vem de doações, de grupos que nos apoiam”, explica. Ao ser perguntado se estaria financiando as passagens com recursos próprios, ele confirma, mas evita comentar a origem dos recursos.
A reportagem também observou Salas tratando com uma advogada sobre transferência de valores, via Pix, para a compra de passagens para uma das pessoas que havia acabado de sair da Papuda.
Próximo de Salas, Adenilson Cruz, conhecido em Brasília como o “Tio Marmita” pelo seu trabalho social de distribuição de refeições a pessoas em situação de rua, e dono de uma organização não-governamental (ONG) chamada Instituto Adenilson Cruz, descarrega duas caixas com quentinhas.
Cada um dos que chegam dos ônibus vindos da Papuda ou da Colmeia recebe uma marmita de isopor com carne, arroz, feijão, farofa, fritas e salada de alface e tomate. Todas preparadas e entregues por uma conhecida churrascaria da região que cobra R$ 35 pela marmitex. Cruz, que afirma ter comprado e distribuído mais de cem quentinhas, desembolsou cerca de R$ 3.500 pelas refeições distribuídas aos que desembarcam no local. À reportagem, ele diz que tudo foi financiado pelo seu instituto sem especificar a origem dos recursos doados.
“Mas essa minha ajuda aos patriotas eu não publico no meu Instagram, não, só as outras coisas”, conta Cruz enquanto mostra as fotos publicadas das refeições que prepara.
Assim como outros advogados ligados ao movimento conservador, o advogado Helio Junior também movimentava-se no local, recepcionando alguns dos manifestantes de volta à liberdade.
O Dr. Júnior, como é conhecido, aproxima-se e dirige-se a Adenilson Cruz – o “tio” da marmita – e pede R$ 400 em espécie. Cruz abre a carteira, de onde se pode ver um maço de notas novas de R$ 100, que perfaz um valor de aproximadamente R$ 2.000, e entrega o valor solicitado.
“Esse dinheiro que eu dei pro Junior? Ele fez um Pix e eu saquei”, explicou Adenilson ao ser perguntado da razão da transação e da origem dos valores. “Por que eu tenho esse dinheiro? Porque às vezes alguém vai viajar dois dias e aí precisa de dinheiro para se alimentar na estrada e eu abençoo com R$ 100.”
À reportagem, o advogado Helio Junior dá uma outra versão. Segundo ele, o dinheiro que ele teria “sacado” com Adenilson seria de famílias de clientes que teriam depositado em sua conta.
“A origem do dinheiro a família mandou para os meus clientes, que custeia a volta deles para casa. Mas é possível que , num caso outro, alguém venha fazer uma doação, isso pode acontecer. Eu sei que tem gente fazendo algumas doações. Mas eu não coloco meu Pix em lives, em redes, não peço para pagar honorários. Nunca fiz isso”, declara o advogado.
Na noite de quarta-feira, Helio Junior participou de uma live no Instagram ao lado de Oswaldo Eustáquio e Malga di Paula, viúva do humorista Chico Anísio e bolsonarista assumida.
Durante a transmissão, tanto Eustáquio quanto Hélio pediram doações via Pix às centenas de seguidores enquanto comentam e comemoram a libertação dos presos pelo STF. Em um determinado ponto, o blogueiro disse que o dinheiro arrecadado seria especificamente para a família do extremista Átila Melo, preso no dia 29 de dezembro, por suspeita de ter participado de depredações em Brasília, mas que outras famílias seriam ajudadas.
Entre um pedido e outro de R$ 10, R$ 20 reais, o bolsonarista que se autodeclara um exilado político, diz que se encontra no Paraguai – no dia 21 de dezembro de 2022, Eustáquio publicou um vídeo, supostamente em fuga do Brasil, a bordo de um avião junto com os donos do canal de extrema-direita Hipócritas Bismark Fugazza e Paulo Souza.
“Quando eu estava em Brasília eu montei um estúdio de TV. Agora eu vou montar um novo estúdio aqui no Paraguai”, declarou o extremista, entre um pedido e outro de doações, que não revelou com que dinheiro executaria seu plano, já que se encontra foragido da justiça brasileira.
Salas, que depois enviou mensagem à reportagem por WhatsApp, pediu para que não sua presença no Centro Integrado de Monitoramento Eletrônico não fosse publicada por este site e mudou a versão sobre a ajuda financeira. “Não ajudo ninguém financeiramente. Até porque não tenho condições para tal fim”, declarou o youtuber. “Por favor, não me inclui em matéria não. Estou me preservando. Eu vou me desligar de tudo.”
Em seu Instagram, João Salas promoveu uma rifa de um Iphone 11 256gb por R$ 10 o bilhete. A meta seria alcançar R$ 10.000 com as vendas. “A rifa é para mim mesmo. Eu também preciso pagar as minhas contas”, disse.
Na descrição da instituição na internet , a ONG do ‘Tio Marmita’ diz que “prepara diariamente marmitas equilibradas para distribuir a moradores de rua, famílias carentes em estado de pobreza”. A página informa ainda que o instituto recebe doação de “alimentos em geral, embalagens para marmita, guardanapo, talheres descartáveis e ajuda financeira para gastos com gás, gasolina, água e luz. Também conta com a ajuda de voluntários.”
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