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Prazer, meu nome é Sr. Mercado

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Felippe Hermes
8 minutos de leitura 10.01.2023 18:20 comentários
Opinião

Prazer, meu nome é Sr. Mercado

Há uma lenda conhecida no mercado financeiro que narra a ascensão dos Safra, a família de banqueiros mais rica do mundo. Conta-se que no princípio de tudo, muito antes de migrarem para o Brasil, ainda no século XIX, o patriarca Jacob Safra, um negociante de moedas, descobriu que determinada moeda com a face de uma imperatriz valia menos em países Árabes do que em países cristãos, a despeito de conter o mesmo peso em metais...

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Felippe Hermes
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Prazer, meu nome é Sr. Mercado
Foto: Sergei Tokmakov/Pixabay

Há uma lenda conhecida no mercado financeiro que narra a ascensão dos Safra, a família de banqueiros mais rica do mundo. Conta-se que no princípio de tudo, muito antes de migrarem para o Brasil, ainda no século XIX, o patriarca Jacob Safra, um negociante de moedas, descobriu que determinada moeda com a face de uma imperatriz valia menos em países Árabes do que em países cristãos, a despeito de conter o mesmo peso em metais.

Sem preconceito, Safra, de origem judaica, decidiu arbitrar o mercado. Era algo relativamente simples. Compre de muçulmanos e venda aos cristãos e deixe que eles se entendam sobre seus conceitos ou preconceitos, morais e religiosos. Negociar moedas não é exatamente algo inventado por essa época. Ao contrário, trata-se de um meio que floresceu anos antes, com o perdão do trocadilho, em Florença, na Itália. 

Trocar moedas era uma arte na qual nenhuma família se destacava mais do que os Médici, a família de banqueiros que financiaria o Renascimento, além de inúmeros Reis e Papas.

Como bons cristãos, os Médici não cobravam juros em seus empréstimos, afinal, a Igreja definia juros como um pecado capital, a usura. Os Médici, por outro lado, entendiam que, ainda que juros fossem proibidos, taxas e ganhos por conversão não eram. Assim, estabeleceram um sistema no qual moedas iam e vinham, pagando as devidas taxas de câmbio, que aos olhos do Vaticano, um dos maiores tomadores de crédito do Banco Médici, não constituíam pecado.

No Brasil, a usura já foi lei. Em 7 de abril de 1933, o ditador Getúlio Vargas determinou que os juros não poderiam exceder 12% ao ano. Por anos a prática fomentou o mercado informal de crédito, favorecendo bancos que cobravam taxas de serviço, mas puniu severamente o mercado formal. Como você já deve ter percebido, o mercado, como a natureza, sempre encontram um jeito. Este jeito, porém,  pode não ser o mais eficiente, como a história brasileira mostra. 

A lei da usura, que só foi oficialmente extinta em 2003, com a Emenda Constitucional número 40, impediu o crescimento do mercado de debêntures, onde empresas captam dinheiro para investir, além do próprio mercado de títulos públicos. Afinal, quem emprestaria ao governo para receber 12% em um país onde a inflação facilmente superava os 40% ao ano? 

O avô do atual presidente do Banco Central, Roberto Campos, propôs um modelo de correção monetária que tornaria os juros mais realistas uma vez que a inflação era descontada. Ainda assim, as taxas de juros brasileiras não raro ficavam negativas. Por décadas o governo brasileiro teve de se financiar em dólares, ou via empréstimos em bancos públicos.

Essa prática, na qual a impressão de dinheiro era mantida de forma descontrolada, nos levou ao posto de maior hiperinflação da história da humanidade sem uma guerra. Foram 23 trilhões de por cento nos 15 anos que antecederam o plano real. Não por coincidência, nos tornamos o 7⁰ país mais desigual do mundo. Os mais pobres, que não tinham proteção contra a inflação via overnight, pagaram a conta.

Sem um mercado interno e com a demonização dos juros, uma prática comum entre a igreja da Idade Média e o jovem revolucionário dos dias de hoje, o país se tornou mais pobre. 

Simonsen e Cysne estimam que em 1993, o ano que antecedeu o plano real, bancos e governos lucraram 6% do PIB com a criação de moeda. Isso equivalia a ⅕ dos gastos públicos, além de mais de 6 vezes o lucro dos bancos hoje, sem prestar um único serviço além da ampliação da pobreza.

Ao tratar o mercado como ganancioso e decretar um tabelamento do preço do dinheiro, criamos uma máquina de extorquir os mais pobres. Um método de tortura que manteve na pobreza boa parte dos brasileiros. E ao que tudo indica, nossos intelectuais bem vestidos, alimentados e seguros por detrás de grades e portarias monitoradas, parecem pouco dispostos a reconhecer essa parte da história. 

A tentativa de atribuir ao governante de plantão a figura do paladino que irá salvar os mais pobres da ganância do mercado, uma entidade transformada em opositor ferrenho às ideias de paz, saúde, picanha e cerveja do paladino em questão, é mais uma ignorância histórica. Mercados existem, mesmo por debaixo dos olhares atentos de Kim Jong Un. 

O mercado não é, por óbvio, uma entidade única. Ele é a soma de ações individuais. 

Há, claro, termômetros. O mercado de ações, o de títulos, de câmbio, de seguros, atuam cada um em uma determinada área, buscando todos ao seu modo captar a tendência da resultante das ações de todos os indivíduos, a economia. O mercado é, em outras palavras, um local onde pessoas negociam expectativas por meio de um produto comum: dinheiro. Como qualquer atividade que inclua bípedes com polegares opositores, porém, há vieses pessoais.

Gestores, banqueiros e mercadores de todos os tipos, podem possuir opiniões pessoais a respeito da política e do futuro da economia. E para surpresa de zero pessoas que realmente acompanham o caso, não foram poucos os grandes gestores que apoiaram o atual governo. Membros relevantes do tal mercado deram endosso à candidatura de Lula, por razões que muitas vezes independem das suas áreas de competência, como tantos outros eleitores o fizeram. 

Não há uma conspiração do mercado contra Lula e seu governo, ao contrário, houve muita boa vontade para um candidato que ao longo dos últimos meses não pareceu se importar com a opinião deste eleitorado. Em boa medida, grandes gestores como Rogério Xavier da SPX (R$84,9 bilhões sob gestão), Luis Stuhlberger (R$33 bilhões sob gestão) e Armínio Fraga (R$11 bilhões sob gestão), apoiaram Lula.

Xavier, que recentemente declarou estar pessimista com a bolsa em função de medidas do governo, apostou na visão que os investidores estrangeiros possuem de Lula. 

A boa vontade do mercado com Lula decorre em grande parte do fato de, durante seu governo, o país ter tido um boom de commodities que elevou a bolsa a patamares historicamente altos. Foi em maio de 2008, no governo Lula, que o país viu a maior valorização da história do Ibovespa, o Índice da bolsa brasileira. O “Ibov”, chegou a 45 mil pontos em dólar. Desde então ele não para de cair, estando hoje em 20 mil pontos.

Fato é que, ao contrário das pessoas que o compõem, o mercado não possui opiniões políticas, ele apenas reage aos eventos que importam ao que diz respeito a ele próprio, como juros. Desta maneira, um evento que pressione a dívida pública terá maior reação de curto prazo do que um evento que possa corroer bases institucionais. 

Isso de certa maneira é um alívio.

Não conheço sua opinião política caro leitor, mas garanto que, como eu, há uma boa chance de você também não gostar da ideia de que quem possui mais dinheiro tenha maior poder político. Não precisamos que o mercado esteja sujeito a política, pois não queremos enquanto cidadãos, que o mercado tenha motivos para mover a política.

Pode parecer tentador. Talvez no alto da sua ignorância acredite que pessoas com capacidade de fazer dinheiro tenham opiniões políticas mais válidas. Mas isso não é verdade, e ainda que fosse, não é o que ocorreria. Há bons exemplos vindos de Tullock e Buchanan, os pais da Public Choice que apontam para como o estado é capturado por empresários dispostos a lucrar com isso. 

Há até uma teoria que mostra as vantagens disso. O Paradoxo de Tullock aponta que $1 em gastos com lobby tendem a retornar US$100 em receita, o que nos leva a necessidade de diminuir a capacidade do governo de distribuir US$100 de maneira discricionária, e não a aumentar este valor.

(Nota: é interessante perceber em alguns casos reportados pela Lava Jato que a comissão de políticos brasileiros agindo individualmente estava em média em 0.3%, apontando que a concorrência de inúmeros corruptos ofertando serviços tornava mais barato comprá-los. Em outros casos, quando políticos formaram cartéis, como em Belo Monte, o % subia, apontando que monopólios tendem a extrair maior renda).

Sabemos pela história recente brasileira que governantes e empresários não formam boas amizades. E devemos torcer para que continue assim, que o mercado se importe apenas com o que lhe diz respeito. 

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