Sobre Margareth Menezes no Minc
Em princípio, não vejo problema algum na escolha. Confesso que estou me lixando para a definição do elenco ministerial do futuro presidente. Pelo visto até aqui, teremos ministérios de...
* Por Antonio Risério
Em princípio, não vejo problema algum na escolha. Confesso que estou me lixando para a definição do elenco ministerial do futuro presidente. Pelo visto até aqui, teremos ministérios de mais e ideias de menos. Mas dizem que o PT protesta contra escolha de Margareth. Entendo perfeitamente. O segundo escalão petista tem uma obsessão patológica por cargos e pompas.
Me lembro de que, em 2003, no primeiro mandato de Lula, não conseguimos realizar uma reforma administrativa para dar agilidade e eficiência à máquina ministerial do MinC porque, naquela reforma, secretarias seriam extintas – e petista nenhum aceitou abrir mão do título de “secretário”.
Para fazer uma boa administração, Margareth precisa de três coisas. Primeiro, ter um leão-de-chácara jurídico-burocrático na chefia de seu gabinete (se o compositor Gilberto Gil não tivesse contado com o advogado Adolpho Schindler nesse posto, teria metido escandalosamente os pés pelos pés). Segundo, ter um secretário executivo que, em vez de ficar posando de “ministro interino”, se enfronhe fundo no cotidiano administrativo do Ministério, arrastando as secretarias para que elas funcionem com força total. Terceiro, escolher bons secretários para cada área.
Tendo isso, uma equipe de três de absoluta confiança e absolutamente eficaz, e um elenco de bons secretários, Margareth pode fazer uma ótima gestão.
Falam que Margareth não tem qualquer experiência administrativa, ao contrário do compositor Gilberto Gil, que fora antes presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM) na prefeitura do Salvador. Tolice. Escrevi o projeto de criação daquela Fundação e fui da sua diretoria. Gilberto Gil era pura fachada. Só. Nunca apresentou qualquer ideia, nenhum projeto, nada. Nem sequer escrevia os discursos que pronunciava.
A FGM operava por projetos. Márcio Meirelles cuidava do projeto teatro, Waly Salomão coordenava o projeto carnaval, Arlete Soares cuidava das relações de Salvador com países africanos, João Jorge (Olodum) cuidava das coisas e demandas da “negritude”, eu coordenava o projeto de proteção física e recuperação dos terreiros de candomblé. Era o Projeto Terreiro. Até o dinheiro para a execução das obras do Projeto Terreiro fui eu quem conseguiu, com a Brasken, através de José Cerqueira. Defini e acompanhei todas as obras.
Como no caso dos demais projetos, o compositor Gilberto Gil só aparecia para fotos e declarações à mídia. Foi a mesma coisa na sua escolha para o MinC, uma invenção de Roberto Pinho, que tramamos principalmente com Palocci e Gushiken. Ponto. E Gil passou boa parte da sua gestão fora do MinC, dando shows – no exterior, inclusive. Ou seja: experiência administrativa anterior igual a zero.
Uma grande preocupação de Margareth deve ser com a sabotagem contra ela que será movida pelo próprio PT. Sobre isso, ela bem que poderia conversar com a ex-ministra Ana de Hollanda. O PT sabotou como pôde a gestão dela – com Gilberto Carvalho, que sabia de tudo, fazendo vista grossa – e foi barra pesada, com canalhices e tudo o mais. Penso que Margareth faria bem em ouvir Ana sobre o assunto, se ela topar falar, claro.
Historicamente, Lula nunca teve preocupação maior com o meio ambiente (ele mesmo, em entrevista à Veja, declarou que não se deveria condenar o desrespeito aqui e ali ao meio ambiente, se fosse para gerar empregos) e muito menos com minorias e identitarismo. Nem ele, nem a cúpula “histórica” do PT.
A preocupação deles era com o poder – com política e economia. Acolheram as “minorias” (os que nunca tiveram voz, como se dizia) para ampliar suas bases – e, o que é grave, sacralizaram seus discursos. Mas sem ter interesse profundo e genuíno sobre o lance. Hoje, com o engrossar da maré internacional, a conversa ambientalista é outra. Não teremos mais outro Belo Monte petista.
Quanto ao identitarismo, a primeira-ministra Janja é sua representante-mor. A escolha de Margareth, num Ministério secundário e que pode se dar ao luxo de ousadias e experimentalismos (ao contrário do Ministério da Fazenda, p. ex.), tem tudo a ver com isso: é artista, é mulher, é bissexual, é mulata escura (hoje, “negra”; embora, na década de 1970, não tenha podido desfilar no “bloco afro” Ilê Aiyê por não ter sido considerada, então, suficientemente preta).
Levando tudo isso em conta, o que posso desejar a Margareth (uma cantora excepcional e com preocupações sociais e culturais) é que tenha boa sorte, muita sorte, mesmo. Vai precisar.
* Antonio Risério é antropólogo, poeta, ensaísta e historiador
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