JK, Lula e o compromisso com o erro
Sempre que qualquer crítico se aventure a comentar favoravelmente qualquer iniciativa do presidente Lula e de seu Partido dos Trabalhadores (PT), um fanático de direita apontará sua pistola retórica pseudo-ideológica: antes era “vá morar em Cuba”, agora na Venezuela. O absurdo desconhecimento dos fatos e da história é uma das principais características da direita e da esquerda, que, no Brasil, não saíram da metade do século passado, quando a guerra fria...
Sempre que qualquer crítico se aventure a comentar favoravelmente qualquer iniciativa do presidente Lula e de seu Partido dos Trabalhadores (PT), um fanático de direita apontará sua pistola retórica pseudo-ideológica: antes era “vá morar em Cuba”, agora na Venezuela. O absurdo desconhecimento dos fatos e da história é uma das principais características da direita e da esquerda, que, no Brasil, não saíram da metade do século passado, quando a guerra fria era moda. Fidel Castro morreu, Nicolás Maduro é um zero à esquerda, o regime soviético desabou sobre os próprios pés de barro, mas é inútil a lorota de quem não tem mais como se refugiar na Alemanha de Hitler nem na Itália de Mussolini, sepultados há meio século. Quando foi lançado pela Topbooks meu livro O que Sei de Lula, o decrépito Olavo de Carvalho disse que não o leu porque seu autor ignoraria Gramsci, mais uma de suas mentiras sem nexo. A acusação partiu, de fato, da constatação verídica feita no livro de que o filho de dona Lindu nunca foi: comunista. Não apenas não leu Gramsci como também desconhece as obras de Marx, Engels, Lenin, Stalin ou Trotski, o proscrito, o único destes todos que foi um grande escritor.
Verdade é que quem declarou publicamente devoção pelo coronel venezuelano Hugo Chávez, que interrompeu a mais promissora democracia latino-americana, a Venezuela de Rómulo Betancur e Rafael Caldera, foi o então deputado federal Jair Bolsonaro. Que até o pleito passado foi o maior beneficiário dos erros do atual presidente eleito nos governos petistas e na oposição, da qual o capitão será importante figura a partir do ano que vem. Juscelino Kubitscheck cunhou uma frase memorável, que, infelizmente para o Brasil, que voltará a ser governado por outro ex-presidente popular, Lula, nunca adotou entre seus hábitos: “Costumo voltar atrás. sim. Não tenho compromisso com o erro”. O enorme êxito eleitoral do PT, que ocupou a Presidência da República por longos 14 anos e meio, nunca inspirou seu principal líder nem seus devotos seguidores.
Em 1985 os então deputados Airton Soares, Bete Mendes e José Eudes foram afastados da legenda por terem votado em Tancredo Neves e José Sarney, do então PMDB, na eleição indireta do Colégio Eleitoral. Esta resultara de acordo para a substituição de uma ditadura militar por uma democracia civil. Essa intransigência estulta foi repetida em 1992, quando o ex-líder estudantil José Dirceu de Oliveira municiou seus correligionários e jornalistas políticos simpatizantes com os malfeitos perpetrados pela dupla Fernando Collor e Paulo César Farias. Dessa atividade resultou o sucesso do impeachment do então presidente da República no Congresso. O vice da chapa que derrotou Lula e José Paulo Bisol na eleição de 1990, Itamar Franco, reuniu representantes de todas as bancadas que participaram da deposição de Collor. E nomeou a petista histórica Luiza Erundina, ex-prefeita de São Paulo, para chefiar a Secretaria de Administração. Expulsa do PT, desde então ela milita no PSOL e, sempre que convocada, apoiou Lula em pleitos majoritários. Mas tal fidelidade nunca foi reconhecida nem muito menos recompensada.
Em 1994, Lula e o PT perderam para Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, no primeiro turno. O sociólogo tinha sido apoiado pelo então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, hoje do ABC, na campanha para o Senado em 1978, Na ocasião o PT ainda não existia. O que elegeu o professor da USP presidente da República foi a estabilidade da moeda no Plano Real, que o PT, insuflado pelo economista Aloízio Mercadante Oliva, definiu como “estelionato eleitoral”. O argumento foi usado mais uma vez em 1998, quando o embate se repetiu: o fim da inflação reelegeu o tucano e a falsa acusação de engodo do eleitorado pela “farsa” da estabilidade monetária derrotou o ex-dirigente sindical novamente. Hoje, a presença do economista, filho de general da linha dura e irmão de coronel do Exército reformado, posa entre os papagaios de pirata do vencedor da polarização, em 2022.
Reeleito pela segunda vez e evitando a primeira reeleição de Jair Bolsonaro, da direita estúpida, Luiz Inácio Lula da Silva tem se mostrado insistente cultivador do erro. Por exemplo, ao reclamar de aliados que votaram pelo impeachment da desastrada Dilma Rousseff, o mais óbvio e elementar de seus equívocos. A tentativa de introduzir o czar econômico do PT e responsável pela maior catástrofe econômica do País no século, Guido Mantega, propiciou aos petistas o vexame de este ser impedido de assumir um posto na equipe de transição por ter problemas com a lei. Beneficiária de um erro grotesco do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que rasurou a Constituição e lhe permitiu exercer um cargo público, a sra. Rousseff foi drasticamente punida na derrota para o Senado de seu Estado natal, Minas Gerais.
Fernando Haddad, derrotado por João Dória no primeiro turno na tentativa de se reeleger prefeito de São Paulo e reincidente este ano ao não disputar o segundo turno da eleição estadual, é tratado como quindim da iaiá na economia do futuro governo. Lula subirá a rampa do Planalto como candidato da única Frente Ampla bem-sucedida da história política do País, normalmente avesso a rodízios de poder pela oposição. Ele emite sinais de juízo ao ventilar, embora não confirme oficialmente, um civil para o Ministério da Defesa, no caso José Múcio Monteiro. Mas continua tratando a pão de ló os vencidos de sua grei nas urnas sem dar a merecida atenção a quem pode lhe dar força e bom senso necessários na administração a ser iniciada em 1º. de janeiro.
Se continuar rezando pelo evangelho de “Mateus, primeiro os meus”, Lulinha, o João Ferrador enfezado dos tempos das greves do ABC, corre o risco de se tornar o condutor do malogro da tentativa de reconstruir a Pátria, demolida pelo capitão terrorista Bolsonaro Pai. Podendo assim incentivar a volta ao trono dos deploráveis mulher e filhos do clã presidencial. É o caso de não desperdiçar a oportunidade de governar de verdade com Alckmin, Simone Tebet, os pais fundadores do Plano Real e outros tantos capitães de ar, mar e guerra na histórica campanha eleitoral de 2012. E talvez consultar biógrafos de Juscelino, como Ronaldo Costa Couto e Lucas Figueiredo, ainda seria de bom alvitre para interromper esse seu histórico e maligno compromisso com o erro. Afinal, como diz o povo, quem pariu Mateus que o embale.
*Jornalista, poeta e escritor
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