A militância contra o passado
Recentemente, duas jovens ativistas do grupo Stop the Oil jogaram sopa de tomate no famoso quadro Os Girassóis, de Vincent van Gogh, na National Gallery em Londres. O vídeo da “performance”, em que também se ouve a leitura de um manifesto com pautas climáticas, viralizou rapidamente, causando indignação. A pintura, entretanto, não chegou a ser danificada, pois estava atrás de um vidro protetor...
Recentemente, duas jovens ativistas do grupo Stop the Oil jogaram sopa de tomate no famoso quadro Os Girassóis, de Vincent van Gogh, na National Gallery em Londres. O vídeo da “performance”, em que também se ouve a leitura de um manifesto com pautas climáticas, viralizou rapidamente, causando indignação. A pintura, entretanto, não chegou a ser danificada, pois estava atrás de um vidro protetor.
Inspirados pelo ato, dois ambientalistas jogaram purê de batata em uma pintura de Monet que está em exposição no Museu Barberini, em Potsdam, na Alemanha. E citaram a fala do ato anterior: “O que vale mais, a arte ou a vida?”.
O grande escultor Alberto Giacometti dizia que, num incêndio, entre salvar um quadro de Rembrandt e um gato preto, ele preferia salvar o gato preto. O que ele queria dizer é muito simples: a vida é mais importante que a arte. Inclusive, porque a vida é a fonte da arte.
Só que a arte e a vida não são concorrentes. O contraponto feito por Giacometti é uma exaltação poética da vida. Não é assim que pensam os militantes: a arte para eles é um instrumento de retórica política. A arte ali é um pretexto.
Os atos contra obras de arte em museus não são fatos isolados, eles representam não só uma tendência, como também uma mentalidade destrutiva que tem por alvo os bens simbólicos do passado. O vandalismo contra pinturas, a censura a filmes e livros do passado, a destruição e remoção de estátuas de logradouros públicos, tudo mostra uma tendência destrutiva com raízes psicológicas profundas.
Mircea Eliade diz que o homem, faça o que fizer, é um herdeiro. Por mais que o indivíduo moderno seja dessacralizado, e até mesmo rejeite inteiramente a religião, termina adotando comportamentos e práticas religiosas, mesmo que desfigurados até a caricatura.
Um dos fundamentos da religiosidade é a crença no fim do mundo, a chamada escatologia, e numa era posterior de abundância e beatitude. As ideologias modernas, especialmente o nazismo e o comunismo, estão cheios de elementos escatológicos que têm origem, em última instância, no cristianismo. Como diz Norma Cohn: “A batalha final e decisiva dos eleitos (sejam eles da ‘raça ariana’ ou ‘proletariado’) contra as hostes do mal (sejam eles os judeus ou a ‘burguesia’) (…) resultam num ‘mundo purificado’, no qual a história irá encontrar sua consumação.”
Também o ambientalismo, transformado em ideologia, tem elementos escatológicos, e não é à toa sua proximidade com o marxismo atual. Toda a argumentação dos militantes ambientalistas se referem a um fim do mundo e à continuidade da humanidade frente ao apocalipse climático. Ao pretender salvar o mundo para as próximas gerações, eles arrogam para si, primeiro, o poder de previsão, e depois, o próprio sentido da história do homem no mundo, o que, evidentemente, eles não têm como prever nem como controlar.
Tal mentalidade leva a reações destrutivas, de mudança radical do rumo da história, de superação do passado. Só que o passado não é facilmente superado, como demonstrou Eliade, pois está profundamente entranhado na psique humana.
Sobre isso, Chesterton tem contribuição fundamental. No livro O que há de errado com o mundo, ele diz: “O futuro é o refúgio onde nos escondemos da competição feroz de nossos antepassados. Posso moldar o futuro tão estreito quanto eu mesmo. Já o passado tem por obrigação ser tão turbulento quanto a humanidade.”
Ao voltar-se contra os símbolos da arte do passado, os ativistas tentam exorcizar a força, que pode ser até mesmo opressora, dos antepassados, e moldar um futuro à imagem da sua própria pequenez.
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