O coração de Dom Pedro I e o coração das trevas
É bastante ridículo que o coração de Dom Pedro I, emprestado pelos portugueses ao Brasil, para as comemorações do bicentenário da Independência, seja recebido com honras de chefe de Estado. É igualmente ridículo, aliás, que os portugueses conservem em formol o coração do seu Pedro IV, que morreu lutando contra o absolutismo...
É bastante ridículo que o coração de Dom Pedro I, emprestado pelos portugueses ao Brasil, para as comemorações do bicentenário da Independência, seja recebido com honras de chefe de Estado (foto). É igualmente ridículo, aliás, que os portugueses conservem em formol o coração do seu Pedro IV, que morreu lutando contra o absolutismo. Por mais heroico que tenha sido, não dá para transformar o sujeito em santo e guardar uma relíquia dele (se foi a pedido do defunto, isso não atenua a ridicularia, desculpe). Enterre-se o homem inteiro.
Quem anunciou a presepada foi o chefe do cerimonial do Itamaraty, o ministro Alan Coelho de Sélios. Ele disse ao G1: “O coração será recebido como chefe de Estado e será tratado como se Dom Pedro I fosse vivo entre nós, não é? Portanto, ele será objeto de todas as medidas que se costumam atribuir a uma visita oficial, uma visita de Estado, de um soberano brasileiro, no caso de um soberano brasileiro ao Brasil”.
O coração será acolhido com pompa bem nacional por Jair Bolsonaro, nesta terça-feira, na rampa do Palácio do Planalto. Depois, terá exposição pública. Tudo a pretexto de incutir civismo nos cidadãos neste bicentenário. O uso eleitoral é evidente, mas não dá para o TSE proibir esse tipo de coisa, imagino.
Petistas reclamam da quantidade de dinheiro público que está sendo gasta com a recepção ao coração, o que chega a ser cômico depois das lambanças cometidas pelo chefão petista e pelo seu partido quando estavam no poder. E comparam o aproveitamento político do coração de Dom Pedro I com o que os militares fizeram com a ossada do imperador, quando ela foi trasladada para cá, no sesquicentenário da mesma Independência, em 1972, durante a ditadura. Consciência crítica nos olhos dos outros é ainda mais crítica.
Diante da gritaria para além de qualquer Ipiranga, acho que, se Lula fosse presidente e alguém do seu entourage tivesse essa ideia estapafúrdia, ela teria sido abraçada com entusiasmo por ele e o PT, numa suspensão conveniente dela, a consciência crítica. Brasileiro é brasileiro, graças a Deus, ele também, por sinal.
Talvez nas comemorações dos 250 anos do nosso desligamento de Portugal já não haja restos mortais de Dom Pedro I tão à mão. Talvez possamos contar com Dragões da Independência com capacetes de metal, não de plástico. Talvez não haja mais bolsonarismo ou petismo. Estou sendo otimista. Por enquanto, e já faz tempo, o coração é o das trevas.
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