Sigilo de cem anos: inconstitucional e irregular
Um dos problemas das leis no Brasil é o “mas” que sempre as acompanha. A lei 12.527/11, chamada Lei de Acesso à Informação (LAI), é um bom exemplo disso. Deveria servir de ferramenta para que a sociedade tivesse acesso facilitado a informações e conhecesse sua história, mas...
Um dos problemas das leis no Brasil é o “mas” que sempre as acompanha. A lei 12.527/11, chamada Lei de Acesso à Informação (LAI), é um bom exemplo disso. Deveria servir de ferramenta para que a sociedade tivesse acesso facilitado a informações e conhecesse sua história, mas…
Na última semana, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do Palácio do Planalto, valendo-se mais especificamente do artigo 31 da referida lei, impôs sigilo de cem anos a encontros do presidente da República com pastores investigados pela Polícia Federal por irregularidades junto ao Ministério da Educação (MEC).
O artigo 31 de fato permite que se protejam com o sigilo centenário as informações pessoais de agentes públicos e de pessoas a eles relacionadas. Para que se tenha ideia do absurdo, o artigo 24 da mesma lei prevê que informações de Estado consideradas ultrassecretas tenham sigilo de no máximo vinte e cinco anos. Ou seja, a lei protege as informações pessoais de agentes públicos por até quatro vezes mais tempo do que protege as informações ultrassecretas do Estado a que tais agentes servem.
É constrangedoramente irrazoável as informações de agentes do Estado serem para a lei mais importantes do que as informações do Estado; é obviamente desproporcional a distribuição de tais prazos de atribuição de sigilo.
Além disso, o artigo traz em seus incisos a previsão de que o interesse público é uma das exceções à aplicação do silêncio de cem anos. Não poderia ser diferente; o direito de acessar uma informação é coletivo e se sobrepõe ao direito individual do agente proteger suas informações pessoais. E por interesse público não devemos entender apenas investigações policiais e ordens judiciais, mas também as publicações jornalísticas. O interesse da imprensa pelas informações a respeito de visitas e reuniões de governo, por si só, justifica que possam ser acessadas.
O sigilo de cem anos do artigo 31 da Lei de Acesso à informação, caro leitor, é inconstitucional. E mesmo que não fosse, é absolutamente irregular que atinja a imprensa. Nesta quinta-feira, foi noticiado que partidos políticos de oposição ao governo acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a lei e sua aplicação.
Que os partidos sejam capazes de fazer sua política com técnica e que o STF seja capaz de empregar sua técnica sem política.
André Marsiglia é advogado constitucionalista. Atua nas áreas de Liberdade de Expressão e Mídias. Escreve semanalmente neste espaço sobre Direito e Poder.
@marsiglia_andre
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