“É cedo para falar em uma decisão em primeiro turno”, diz cientista político
A poucos meses para o primeiro turno das eleições de 2022, o debate pré-campanha ganha força todos os dias. Em todo o país, políticos trocam de partidos, buscam apoio e o fortalecimento de suas bases para oficializar as candidaturas...
A poucos meses para o primeiro turno das eleições de 2022, o debate pré-campanha ganha força todos os dias. Em todo o país, políticos trocam de partidos, buscam apoio e o fortalecimento de suas bases para oficializar as candidaturas.
Como mostramos, um levantamento Datafolha divulgado na sexta-feira (25) mostra que o percentual de brasileiros que dizem não confiar nunca nas declarações de Jair Bolsonaro (PL) caiu em relação a dezembro. O índice recuou de 60% (recorde do atual governo) para 53%. Já o percentual dos que responderam acreditar sempre no que o presidente fala subiu de 13% para 17%.
Em entrevista a O Antagonista, Renato Roll (foto), cientista político, afirmou que as eleições de 2018 foram muito particulares em razão do contexto pós-operação Lava Jato e alta rejeição ao PT.
“A disputa deste ano promete ser ainda mais polarizada e aguerrida em razão da elevação do tom da esquerda e da direita na política brasileira nos últimos anos”, disse.
Segundo Roll, em eleição, tudo é possível.
“Há sete meses do pleito, é cedo para falar em uma decisão em primeiro turno. Os atores políticos ainda estão organizando suas estruturas locais de apoio e definindo as suas estratégias de campanha”, afirmou.
Leia a íntegra da entrevista:
O que esperar dessas eleições?
A disputa deste ano promete ser ainda mais polarizada e aguerrida em razão da elevação do tom da esquerda e da direita na política brasileira nos últimos anos e da participação direta do ex-presidente Lula no pleito. Tal polarização dificulta o crescimento de uma terceira via competitiva em nível nacional, mantendo como mais provável a repetição de um segundo turno entre Bolsonaro e o PT.
Espera-se ainda que a atual situação econômica e as discussões ocorridas na busca por soluções para o enfrentamento da pandemia da Covid devam marcar os debates para os cargos majoritários. Após o destaque para a eleição de “outsiders” em 2018, a volta dos políticos tradicionais é um fenômeno a ser observado nesse pleito, que terá maior atenção às mensagens trocadas no ambiente digital por parte da Justiça Eleitoral – que já dispõe de estruturas para investigar e punir possíveis ilícitos ligados às fake news.
Que diferenças devem marcar a eleição de 2022 em relação à de 2018?
As eleições de 2018 foram muito particulares em razão do contexto pós-operação Lava Jato e alta rejeição ao Partido dos Trabalhadores, especialmente, com a prisão do ex-presidente Lula. Agora, esse espírito de rejeição se volta contra o presidente Jair Bolsonaro em um contexto de crise econômica (em meio ao enfrentamento da pandemia da Covid-19 nos últimos dois anos) e desgaste político pessoal (como resultado de suas contendas com o Poder Judiciário, exposição negativa de sua administração em meio à CPI da Covid e ampla cobertura crítica da imprensa), que coadunam para uma elevada reprovação de sua administração e um desempenho não vitorioso nas pesquisas eleitorais. Nesse cenário, a não condenação de Lula foi repercutida como uma “absolvição” e passou a ser ele a alternativa mais viável para evitar a eleição de Bolsonaro – hoje, o candidato com maior rejeição.
A alta rejeição e a liderança do ex-presidente Lula nas pesquisas até o momento desenham um cenário desafiador para Bolsonaro, observando que, em suas reeleições, Fernando Henrique Cardoso (1998), Lula (2006) e Dilma Rousseff (2014) fecharam o primeiro mandato com rejeições de 20%, 29% e 20%, respectivamente, e apareciam à frente nas pesquisas eleitorais no início do ano.
Nesse contexto, as Eleições de 2018 tiveram crescimento de candidaturas dos “outsiders” da política (incluindo alguns políticos que assim se venderam para o eleitorado), movimento iniciado ainda nas eleições municipais de 2016 e que foi impulsionado pela onda de apoio bolsonarista. Contudo, o que vemos agora é uma sinalização de retorno dos políticos tradicionais, algo como um porto seguro para o eleitorado que buscou algo novo nas últimas eleições, mas não viu isso repercutir necessariamente em melhorias para o país em um ambiente político que se notabilizou pelo dissenso.
Também será importante acompanhar o trabalho da imprensa com relação à checagem de notícias ou mesmo o direcionamento dos temas por parte desses veículos em um contexto de cada vez maior participação das redes sociais.
Por fim, um movimento potencialmente transformador dessas eleições é a união de partidos, mesmo que ainda não ocorram formalmente em Federações, como um novo passo no processo de redução do número de partidos no país.
Por que muitos eleitores esquecem em quem votaram?
É importante lembrarmos que a decisão sobre o voto é algo muito pessoal, resultado de um complexo contexto no qual está inserido o eleitor (incluindo ideologia, rede de relacionamentos, padrões de interações sociais, origem, cultura, contexto social, etc.), mas, acima de tudo, reflete uma conclusão momentânea sobre o que ele espera do país, frente aos seus anseios atuais, visão de futuro, o que deseja e o que não deseja. Tal decisão é também diretamente influenciada pelos grandes temas de discussão de cada eleição. De maneira geral, o eleitor toma sua decisão na urna e segue até a próxima eleição debatendo política a partir das notícias e denúncias evidenciadas pela mídia ou redes sociais, sem vinculação direta com os candidatos anteriormente escolhidos.
Com as discussões de maior vulto e com maior repercussão da mídia ocorrendo em torno das disputas para a Presidência da República ou o Governo Estadual, também podemos compreender que o eleitor dedique maior tempo de processamento de informações para tomada de decisão no voto desses candidatos do que nos demais. Não é à toa que a decisão sobre o voto para os cargos proporcionais, comumente são tomadas às vésperas das eleições e sofrem maior influência das opiniões de pessoas próximas. Assim, uma decisão com a qual investimos menos tempo e reflexão, pode mais facilmente ser esquecida. Nesse ponto, também podemos mencionar a maior dificuldade na tomada de decisão frente a um maior número de opções para as eleições proporcionais, bem como a menor exposição ao nome escolhido para o cargo no momento pós-eleição – mesmo que tenha sido eleito, tendo em vista a inexistência de uma cultura de acompanhamento do mandato desses políticos.
Toda eleição é importante, mas alguns dizem é “a mais importante” para o Brasil. O que o senhor acha?
Acredito que o contexto econômico e social em que o país se encontra no pós-pandemia e a não conclusão dos grandes debates nacionais travados nas últimas três eleições presidenciais façam jus a essa afirmativa para as próximas eleições. Passada quase uma década desde as manifestações de 2013, não foram garantidos avanços significativos para a população na melhoria das entregas públicas ou no combate à corrupção e seguimos em uma situação econômica preocupante.
Naturalmente, depositamos nossas esperanças nas urnas, na expectativa de que nossas escolhas possam contribuir para o encerramento dessas questões. Contudo, o acirramento entre os polos políticos da esquerda e da direita trouxe maior embate e dificultaram a tomada de decisões ao longo dos últimos 3 anos. Resta saber se a soma das opiniões dos eleitores resultará em um ambiente capaz de trazer avanços legislativos e regulatórios suficientes para possibilitar o crescimento do país.
Em 2022, o Brasil está entrando de novo num período eleitoral com um cenário político e econômico complicado. Em sua visão, o que acontece?
O crescente de acirramento do debate político a partir de 2014 distanciou os atores políticos de pontos de maior consenso, o que, em um cenário ainda de grande dispersão partidária no Parlamento, concentrou a classe política mais na disputa pelo poder e em sua diferenciação de seus adversários do que propriamente na busca pelas soluções mais eficientes para resolver os problemas da população. Nesse contexto, decisões amplamente debatidas vêm sendo chamadas à rediscussão (como as reformas trabalhista e da previdência ou até mesmo a vacinação da população), o que pode resultar em decisões atrasadas frente aos novos desafios internacionais que surgem.
E essa questão da Terceira Via? Vai dar certo?
Desde 1990, as eleições presidenciais brasileiras nunca tiveram um terceiro colocado com mais de 22% dos votos válidos, o que nos mostra um histórico do racional eleitoral de nossa população de focar em duas opções antagônicas.
Atualmente, diversos partidos têm trabalhado para lançar um candidato competitivo para quebrar a polarização entre Bolsonaro e Lula, contudo, esse movimento ainda não conseguiu atingir um nível de articulação suficiente para consolidação de uma candidatura única, especialmente, em um cenário em que os diversos nomes apresentados ainda demonstram um desempenho insatisfatório nas pesquisas eleitorais. Até o momento, os nomes mais discutidos na imprensa não conseguem juntos somar 25% das intenções de voto.
Nesse contexto, também precisamos lembrar que a percepção de “viabilidade” das candidaturas costuma direcionar o voto do eleitorado brasileiro, migrando de suas opções preferenciais para opções de menor rejeição e maior viabilidade com o objetivo de combater a possível eleição de um candidato indesejado. Esse fenômeno foi bem observado (em conjunto com outros fatores) nas eleições presidenciais de 2018 com o baixo rendimento da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) e crescimento de Bolsonaro na reta final do primeiro turno.
Entretanto, neste ano temos um grande recall de Bolsonaro e Lula, com opiniões mais consolidadas sobre ambos, o que dificulta o surgimento de outros nomes com chances reais de vitória. Assim, pesquisas recentes mostram que são poucos os eleitores que não votariam em Lula ou Bolsonaro em um possível segundo turno (cerca de 10%, o que é uma janela muito pequena para desenvolver uma candidatura viável).
Muitos falam que a eleição já tem resultado. Será que pode haver um segundo turno?
“Em eleição, tudo é possível!” Há sete meses do pleito, é cedo para falar em uma decisão em primeiro turno. Os atores políticos ainda estão organizando suas estruturas locais de apoio e definindo as suas estratégias de campanha. Novamente, é importante lembrar sobre o peso do debate sobre os grandes “temas” de cada campanha nacional. Em 2018, a corrupção e a crise econômica surgiram como elementos que direcionaram a decisão dos eleitores. Esses podem até voltar a ser parte do debate principal, mas sob qual prisma? Como os principais candidatos se posicionarão com relação a eles e qual será a percepção da população com relação a esses posicionamentos? Quais serão os novos temas?
Nesse cenário, o presidente Jair Bolsonaro segue apostando em uma retomada da economia no segundo semestre para melhorar a percepção do eleitorado sobre o seu mandato justamente no momento do voto. Para tanto, tem trabalhado no lançamento de programas de ampliação de crédito e redução de tributos enquanto observa a queda do dólar e a retomada do investimento estrangeiro. O presidente terá ainda a oportunidade de trabalhar em narrativas para descontruir as críticas a seu governo – mesmo seguindo com seu padrão de partir para o ataque como estratégia de desvio de atenção. Espera também que uma estrutura partidária mais robusta pelo país, fornecida pelos aliados do centrão, possa se reverter em mais votos junto àqueles eleitores mais distantes: jovens, mulheres e da Região Nordeste.
Já Lula, inteligentemente, vem “pregando para convertidos”, priorizando falar para públicos e veículos que historicamente estiveram ao seu lado, assim, minimizando críticas, controlando melhor suas mensagens e consolidando sua base central de apoio. Entretanto, nesse esforço, vem tecendo manifestações menos consensuais e mais ligadas à pauta da esquerda – temas esses que podem ser explorados negativamente por seus adversários durante a campanha, juntamente com a retomada das denúncias feitas contra ele no âmbito da operação Lava Jato. O importante aqui será descobrir que Lula vem para a campanha e qual é o seu projeto de governo para esse momento agora adverso: mirar no eleitorado médio ou focar nas pautas exclusivamente da esquerda com foco na reversão de reformas e ações antagônicas ao do atual governo?
Já a terceira via trabalha para encontrar uma identidade, um ponto comum entre os demais partidos, e se viabilizar perante o eleitorado, ainda que em um cenário improvável e à espera de uma desidratação de um dos principais concorrentes ao longo da campanha.
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