“Sou contra legislar para um aplicativo”, diz relator do PL das Fake News
A Câmara dos Deputados deve analisar, no final de março, o PL das Fake News, proposta que institui várias mudanças na legislação brasileira relacionada à liberdade, responsabilidade e transparência na internet...
A Câmara dos Deputados deve analisar, no final de março, o PL das Fake News, proposta que institui várias mudanças na legislação brasileira relacionada à liberdade, responsabilidade e transparência na internet.
Aprovado no Senado em 2020, o texto, hoje relatado pelo deputado Orlando Silva (PCdoB), foi discutido em várias audiências públicas e está na reta final de tramitação. Entre as mudanças, o PL institui regras para a moderação de conteúdo, obrigando as plataformas de internet como Youtube a informar o usuário sobre os motivos pelos quais determinado conteúdo foi retirado ar e abre a possibilidade de recurso em caráter administrativo contra essa decisão.
As empresas de internet também serão passíveis de punição caso determinado conteúdo tenha sido excluído sem justificativa aparente pelas empresas de internet.
As chamadas big techs criticam o texto e afirmam que o substitutivo de Silva (foto) representa “uma potencial ameaça para a Internet livre, democrática e aberta que conhecemos hoje”. O parlamentar, por sua vez, refuta essa crítica:
“Eu não vejo nenhum risco à liberdade de expressão, porque a liberdade de expressão é um preceito constitucional. Quem faz a polêmica é o governo”, afirmou.
Outro detalhe polêmico do texto é o que obriga as empresas com mais de 10 milhões de usuários a ter representante no Brasil. A base governista na Câmara afirma que esse dispositivo foi instaurado especificamente para banir o Telegram do país.
Para o relator da proposta, esse trecho não foi pensado especificamente para punir o aplicativo russo. “Eu sou contra legislar para uma empresa. Sou contra legislar para um aplicativo ou para uma tecnologia específica. A lei tem que ser geral”, declarou Silva.
Leia os principais trechos da entrevista:
Deputado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pretende votar a urgência do PL das Fake News após o Carnaval. É possível que a proposta seja aprovada ainda em março?
O projeto foi votado pelo Senado em 2020. Nós passamos o ano inteiro de 2021 debatendo publicamente o tema em audiências públicas, em reuniões bilaterais com entidades internacionais, conversamos com o relator para liberdade de expressão da OEA, das Nações Unidas, com a missão da União Europeia no Brasil… Tivemos reuniões bilaterais com a indústria [da internet], com as ‘big techs’ – empresas como o Facebook e o Google -, com as empresas brasileiras de comunicação, a universidade participou com seus especialistas, juristas… No senado, a proposta foi criticada porque a tramitação foi rápida e nós superamos essa limitação fazendo um ano inteiro de debate público.
Concluímos o trabalho em dezembro e, na primeira semana de fevereiro, procurei o presidente Arthur Lira e ele falou: ‘Vamos fazer um rito que é o seguinte: primeiro, um debate com os líderes; segundo, um debate com as bancadas, terceiro, uma conversa com o Senado e a partir daí colocamos no plenário da Câmara’”
Em que pé está esse cronograma?
“Há duas semanas, vencemos a etapa de debate com os líderes. Estamos agora debatendo com bancadas. Já conversei com dez bancadas e, nas próximas duas semanas, devemos avançar nas bancadas restantes. Em paralelo, já tenho as conversas com o Senado, conversando com alguns senadores. O senador principal que vamos conversar é o Angelo Coronel (PSD-BA) – o parlamentar foi o relator do texto no Senado-, na semana depois do Carnaval.
O meu deadline é março para o projeto estar pronto para a apreciação do plenário, quando o presidente Arthur Lira considerar adequado.
O projeto tem sido criticado, principalmente pela base do governo, pela possibilidade de suspensão de atividade de alguns aplicativos como o Telegram, já que obriga as empresas a ter um escritório no Brasil. Como o senhor responde a essa crítica?
Eu sou contra legislar para uma empresa. Sou contra legislar para um aplicativo ou para uma tecnologia específica. A lei tem que ser geral. Não existe uma lei para o Telegram. A norma [manutenção de uma representação no Brasil] é para provedores de serviços, de mensagens, de redes sociais, buscadores, mas só para quem tem mais de 10 milhões de usuários no Brasil. O Senado propôs para todas as empresas com mais de 2 milhões de usuários. Elevei esse sarrafo por quê? Porque 2 milhões de usuários podem ser atingidos, até mesmo, por uma startup, por uma pequena ou média empresa. Isso é para empresas mais estruturadas. Não é dirigido para um aplicativo ou para outro. É uma regra geral.
Mas essa delimitação tem aval de outros deputados?
Esse é um dos temas que é praticamente unanimidade, a exigência de que todas as empresas desse porte tenham representação no Brasil, não é sede. Essa é outra diferença do texto da Câmara em relação ao do Senado. O texto do Senado fala em sede, eu defendo que tenha representação. Porque sede implica em uma estrutura mais complexa. Eu defendo a representação porque não é razoável que uma empresa que alcança mais de 10 milhões de brasileiros não se submeta às leis do brasil. Não se submeta aos atos do Poder Executivo, não se submeta aos atos do Poder Judiciário. A lei vai para além do Telegram. A lei é para todas as empresas que atuam no serviço de mensagem, redes sociais, plataformas de buscas que tem mais de 10 milhões de usuários no Brasil. Seria uma desmoralização para o parlamento brasileiro que tenha uma ou outra empresa acima da lei. Por que uma empresa cumpre a lei e outra não? Por que uma empresa cumpre decisões judiciais e outra não?
Muito tem se falado sobre censura, que a proposta vai acabar com a liberdade de expressão. O senhor não acha que o projeto abre brecha para isso?
Essa é uma crítica ‘sem pé nem cabeça’. Aliás, um dos princípios estabelecidos no projeto é a defesa da liberdade de expressão. A própria lei é intitulada “Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet”. Quem batizou de ‘Lei das Fake News’ foi a imprensa, digamos assim. Eu não vejo nenhum risco à liberdade de expressão, porque a liberdade de expressão é um preceito constitucional. Quem faz a polêmica é o governo. O governo tem uma visão, e isso está expresso na Medida Provisória que foi encaminhada ao Congresso e devolvida pelo presidente do Congresso, que cria poucas hipóteses onde pode haver moderação de conteúdo pelas plataformas. Eles criam o conceito de justa causa. Só poderia haver moderação de conteúdo pelas plataformas quando houvesse justa causa. E as hipóteses são tão fechadas que praticamente as plataformas ficariam impedidas de fazer moderação de conteúdo. Eu não concordo com essa lógica. Eu defendo o direito das plataformas de fazer moderação de conteúdo. Eu diria que eles não têm apenas direito. Eles têm o dever de fazer moderação de conteúdo.
Mas por qual motivo? Isso em si não é censura?
Por quê? A liberdade de expressão não é uma garantia absoluta. E se você viola determinados códigos e valores que são relevantes para a vida social, tem que haver uma ação das plataformas. Um exemplo prático: quando um sujeito liga seu canal no Youtube para transmitir uma ação dele em uma mesquita na Nova Zelândia (quando ocorreu o assassinato de 51 pessoas na cidade de Christchurch perpetrado pelo terrorista Brenton Tarrant), que causou a morte de dezenas de pessoas, é certo ou errado que o Youtube intervenha e desligue o canal dessa pessoa? Na minha visão, é certo. Se você tem um canal que faz apologia ao crime, à pedofilia, tráfico de armas, há ou não que se fazer a moderação. E não é possível que vivamos em um país com pandemia e se publique que não se pode tomar vacina porque senão você vai virar jacaré, para dar um exemplo ‘pueril’, digamos assim. Então, a moderação de conteúdo tem que ser permitida à plataforma. O que introduzimos em defesa da liberdade de expressão é uma obrigação adicional: que haja o devido processo.
Mas isso não abre brechas contra as plataformas?
A plataforma, quando fizer a moderação, seja ela qual for, ela fica obriga a comunicar, notificar o usuário e dar direito ao usuário, de modo expresso, contestar aquela moderação. Porque ela tem que fundamentar o ato. Então, o devido processo dá ao usuário o direito de protestar contra a moderação. Se a plataforma considerar que o usuário tem razão, ele pode, inclusive, reivindicar uma reparação.
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