Para que serve a oposição?
Quem analisa o resultado da votação da PEC dos Precatórios só pode concluir que os partidos que pretendem lançar candidaturas de terceira via em 2022 estão de brincadeira. Num momento crucial, quando uma das medidas mais escabrosas propostas por esse governo está na mesa, eles se oferecem como linha auxiliar do bolsonarismo, em vez de marcar com clareza uma posição contrária...
Para que serve a oposição? Com exceção do PT, que nesse ponto não pode ser criticado, os partidos brasileiros têm certa dificuldade para responder a essa pergunta.
Em 2008, o Conselho da Europa, um órgão multilateral que pretende zelar pela saúde da democracia e pelo respeito aos direitos humanos no continente, patrocinou um estudo sobre esse tema, partindo do princípio que a existência de partidos de oposição é “um componente fundamental de uma democracia robusta”.
O relatório elencou as principais funções da oposição. São elas:
(a) Apresentar alternativas políticas; (b) Articular e promover os interesses de seus eleitores; (c) Oferecer alternativas às decisões propostas pelo governo e os representantes da maioria parlamentar; (d) Aprimorar os procedimentos decisórios, fomentando o debate, a reflexão e a contradição; (e) Fiscalizar as propostas legislativas e orçamentárias do governo; (f) Acompanhar e supervisionar as ações do governo e da administração; (g) Zelar pela estabilidade, legitimidade, responsabilidade e transparência do processo político.
Quem olha para essa lista e depois analisa o resultado da votação da PEC dos Precatórios, realizada nesta madrugada na Câmara dos Deputados, só pode concluir que os partidos que pretendem lançar candidaturas de terceira via em 2022 estão de brincadeira. Num momento crucial, quando uma das medidas mais escabrosas propostas por esse governo está na mesa, eles se oferecem como linha auxiliar do bolsonarismo, em vez de marcar com clareza uma posição contrária. Não se levam a sério como alternativas políticas.
O PSDB de João Doria e Eduardo Leite, que em setembro bateu bumbo para anunciar que estava indo oficialmente para a oposição ao governo, deu 22 de seus 31 votos a favor da PEC.
O PDT de Ciro Gomes (foto), que sempre se disse de oposição, deu 15 de seus 24 votos.
E o Podemos, que está prestes a lançar Sérgio Moro e se apresenta como “independente”, deu 5 de seus 10 votos.
Se fosse outro o tema, talvez não fosse tão grave apoiar os interesses do governo. Mas há motivos de sobra para um partido que pretende derrotar Bolsonaro (e Lula) no ano que vem ser contra a PEC dos Precatórios. Dá para fazer outra lista:
(a) Ao liberar dinheiro para o Auxílio Brasil, a PEC não ajuda a instituir um programa assistencial permanente, apenas uma ajuda temporária, feita sob medida para um ano eleitoral. Candidatos de oposição, em vez de dar esse presentão a Bolsonaro, deveriam estar discutindo maneiras de transformar o Auxílio Brasil ou o Bolsa Família, seja qual for o nome, num programa de Estado, a salvo das manipulações de quem está no poder; (b) apoiar a PEC é dar uma pernacchia para a responsabilidade fiscal e também a segurança jurídica. Investidores que observam a cena brasileira vão pensar: se o sujeito topa furar o teto de gastos e dar calote em precatórios em benefício de um adversário, imagine o que fará se chegar ao poder. (c) um dos principais objetivos da PEC é liberar dinheiro para emendas parlamentares. O apoio a ela mostra que o partido que pretende lançar uma candidatura “alternativa” é fisiológico, e muito provavelmente fez algum acerto nos bastidores em troca de votos.
Ciro Gomes reagiu rápido e pôs seu partido em uma sinuca: suspendeu sua pré-candidatura, dando aos deputados do PDT que apoiaram a PEC um tempinho para rever suas posições. Como já sugeriu O Antagonista, Sergio Moro deveria fazer o mesmo, para impor desde logo algumas balizas ao Podemos.
E João Doria e Eduardo Leite? Desde os tempos do mensalão, os tucanos são frouxos na hora de fazer oposição. Em anos recentes a coisa piorou. Os pré-candidatos tucanos não se arriscarão a fazer um gesto drástico em relação aos deputados do partido. Vai que o PSDB, que há muito tempo é tentado a se livrar de sua coluna dorsal, acha boa a ideia de não ter candidatura própria e mergulha de uma vez no Centrão…
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