Bolsonaro acha que é D. Pedro III
Nos últimos dias, o meu interesse se voltou para a tragédia em curso no Afeganistão, onde a tomada do poder pelo Talibã levará a sociedade daquele país de volta à Idade Média, com consequências funestas principalmente para as meninas e mulheres. Não somos o Afeganistão, mas embarcamos também numa máquina do tempo, em direção ao passado. Aparentemente salvos de retornar à Idade Média, na qual nunca estivemos, Alá seja louvado, nos encontramos agora em rota para a terceira década do século XIX, em recuo de duzentos anos. Às voltas com a Justiça, o golpista Jair Bolsonaro instilou maliciosamente na discussão institucional o tema do "poder moderador"...
Nos últimos dias, o meu interesse se voltou para a tragédia em curso no Afeganistão, onde a tomada do poder pelo Talibã levará a sociedade daquele país de volta à Idade Média, com consequências funestas principalmente para as meninas e mulheres. Não somos o Afeganistão, mas embarcamos também numa máquina do tempo, em direção ao passado. Aparentemente salvos de retornar à Idade Média, na qual nunca estivemos, Alá seja louvado, nos encontramos agora em rota para a terceira década do século XIX, em recuo de duzentos anos. Às voltas com a Justiça, o golpista Jair Bolsonaro instilou maliciosamente na discussão institucional o tema do “poder moderador”, como atribuição das Forças Armadas, e agora urge que o STF se pronuncie sobre essa jabuticaba venenosa que não existe na jabuticabeira da Constituição de 1988.
O “poder moderador” é criação da Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I. A menos que se queira reinstaurar a monarquia — monarquia constitucional nos moldes de dois séculos atrás –, e dar o título de imperador a algum aventureiro, é assunto que deveria estar morto e enterrado, assim como os defensores perpétuos do Brasil. Quem aprendeu um mínimo de história, o que não é o caso de Jair Bolsonaro, sabe que as repúblicas modernas são alicerçadas em três poderes. Só um maluco que anda sobre quatro patas é capaz de imaginar que podem existir quatro poderes no regime republicano.
No entanto, dada a atualidade da discussão anacrônica, rememoremos como a Constituição de 1824 define o “poder moderador”, mantendo a grafia da época, para acentuar o seu sabor exótico:
“Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos.
Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.
Art. 100. Os seus Titulos são ‘Imperador Constitucional, e Defensor Perpetuo do Brazil’ e tem o Tratamento de Magestade Imperial.
Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador
I. Nomeando os Senadores, na fórma do Art. 43.
II. Convocando a Assembléa Geral extraordinariamente nos intervallos das Sessões, quando assim o pede o bem do Imperio.
III. Sanccionando os Decretos, e Resoluções da Assembléa Geral, para que tenham força de Lei: Art. 62.
IV. Approvando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciaes: Arts. 86, e 87.
V. Prorogando, ou adiando a Assembléa Geral, e dissolvendo a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando immediatamente outra, que a substitua.
VI. Nomeando, e demittindo livremente os Ministros de Estado.
VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do Art. 154.
VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os Réos condemnados por Sentença.
IX. Concedendo Amnistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado.”
Ao atribuir às Forças Armadas um “poder moderador” que não existe, Jair Bolsonaro dá azo à sua afinidade eletiva com o autoritarismo. A artimanha é infantil: como ele é o chefe das Forças Armadas, o “poder moderador” seria, ao fim e ao cabo (e um soldado), dele próprio, que também deteria o poder executivo, tal como os Pedros do Império. Por interpostos generais, ele poderia fechar o Congresso e suspender magistrados, em prol da “harmonia dos mais Poderes Políticos”. Uma beleza.
O inquilino inadimplente do Palácio do Planalto aproveita-se do fato de sermos o triste país da jurisprudência de ocasião, onde a interpretação das leis é livre, para querer transformar a função das Forças Armadas de “garantir os poderes constitucionais”, como previsto no artigo 142 da Constituição em vigor, nesse tal “poder moderador”. A atribuição de garantir os poderes constitucionais é justamente o contrário: as Forças Armadas poderão ser chamadas para impedir golpes ou autogolpes, como esse que Jair Bolsonaro quer dar. Os militares não são poder político, mas instrumento de força a ser usado, dentro dos limites da lei, por qualquer um dos poderes constituídos.
Há loucos que se acham Napoleões; temos um que se acha Pedro III. Cortem-lhe a cabeça, porque esse tem método.
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