A cisão da XP e Itaú Unibanco, uma relação tão delicada
A cisão da participação do Itaú Unibanco na XP, autorizada pelo Banco Central, é um movimento de dimensões tectônicas que está alvoroçando o mercado brasileiro. Com a cisão, a participação do Itaú Unibanco se concentrará numa terceira empresa, a X Part, a ser incorporada pela XP, que tem capital aberto na Nasdaq. Cumpridos todos os trâmites, a XP lançará ações também na B3...
A cisão da participação do Itaú Unibanco na XP, autorizada pelo Banco Central, é um movimento de dimensões tectônicas que está alvoroçando o mercado brasileiro. Com a cisão, a participação do Itaú Unibanco se concentrará numa terceira empresa, a X Part, a ser incorporada pela XP, que tem capital aberto na Nasdaq. Cumpridos todos os trâmites, a XP lançará ações também na B3 (na verdade, BDRs, recibos que representam ações na bolsa americana), uma vez que a Comissão de Valos Mobiliários (CVM) autorizou no ano passado que empresas brasileiras com capital aberto no exterior possam ter dupla listagem. Calcula-se que, no total, 48% do capital da XP entrará em circulação.
Pelo novo formato, o Itaú deixa de ter poder de veto em fusões e aquisições e o banco não poderá mais impedir que a XP feche acordos exclusivos com agentes autônomos de venda dos seus produtos, modelo fundamental para o seu sucesso e que, há um ano, virou motivo de desavença com o Itaú Unibanco. A XP se tornou uma potência enfrentando justamente a visão monopolista dos grandes bancos e continuou a fazê-lo mesmo depois de vender 49,9% das suas ações ao Itaú Unibanco, em 2017 (o Banco Central não permitiu que o banco se tornasse majoritário).
No ano passado, o banco abriu guerra contra a sua sócia, por meio da veiculação de um comercial no qual ataca, sem citar nomes, as plataformas que têm agentes autônomos para vender produtos financeiros. No comercial, um ator interpretava um cliente que, em 2019, foi procurado por um agente autônomo que o fazia sentir-se o “rei de Wall Street” — e, em 2020, percebe que teria feito bem em seguir os conselhos financeiros do seu gerente Personnalité. A versão 2020 do cliente diz à de 2019: “Aqui em 2020 deu pra ver que não tinha risco. Pra ele, né? Que ganhava comissão por tipo de investimento. Ainda bem que você deixou o dinheiro no Itaú Personnalité. São especialistas isentos. Aprendeu, rei de Wall Street?”
Diante da virulência, Guilherme Benchimol, sócio-fundador da XP, que recentemente passou o bastão de CEO da empresa para Thiago Maffra, contra-atacou no LinkedIn:
Estamos há 20 anos lutando contra um sistema financeiro concentrado que nunca inovou e nunca se preocupou com o que realmente importa: o cliente!
Tenho certeza que os bancos preferem o Brasil do passado, com juros altos e baixa concorrência, explorando ainda mais os empresários e os investidores individuais.
Quem nunca recebeu uma oferta do seu banco com um cheque especial abusivo, um empréstimo com as mais altas taxas de juros do mundo, um “investimento” na caderneta de poupança, um título de capitalização desnecessário, um fundo com taxas exorbitantes, um consórcio para bater a meta do fim do mês e assim por diante?
Desde o início, levamos educação financeira para as pessoas e mostramos que investimento se faz com visão de longo prazo e transparência.
Para alcançar a nossa missão, contamos com mais de 7.000 assessores independentes, que trabalham incansavelmente para trazer as melhores oportunidades para os investidores.
A nova campanha do Itaú ataca o comissionamento dos assessores na distribuição de produtos financeiros, como se ganhar dinheiro com o trabalho fosse errado. Sempre fomos transparentes nisso. O assessor é um empresário, um empreendedor que tem a sua própria empresa e somente sobrevive se a visão for de longo prazo, com um cliente realmente satisfeito e muita ética em todas as suas atitudes. Se ele falhar, não poderá mudar de emprego, mas, sim, fechará o seu negócio.
Com certeza temos muitos pontos a evoluir, natural de toda empresa. Mas trabalhamos duro para melhorar sempre e tenho orgulho de dizer que temos o maior índice de satisfação de todo o sistema financeiro brasileiro (NPS de 71 auditado). Para nós, essa é a melhor prova da sustentabilidade do nosso negócio.
A campanha do Itaú só reforça que estamos no caminho certo. Para o maior banco do país, com mais de 90 anos de tradição, ir a público e ofender uma profissão tão fundamental para o desenvolvimento financeiro dos brasileiros, é porque realmente percebeu que não consegue mais competir colocando o cliente em primeiro lugar.
Tenho uma certeza: se tem algo que o banco não é, nem nunca foi, é ser feito para você.
Apesar de toda a nossa história, estamos só no começo. Podem ter certeza de que não descansaremos enquanto todos os abusos dos bancos não acabarem.
Nosso propósito: transformar o mercado financeiro para melhorar a vida das pessoas.”
Logo em seguida, um dos sócios da XP, Gabriel Leal, afirmou em entrevista coletiva que a reação do Itaú era fruto de “desespero” :
“Uma informação importante é que todos os dias saem 150 milhões (de reais) do Itaú para vir à XP. Se fizermos uma projeção no tempo, não seria difícil imaginar que o Personnalité em três anos pode acabar. Um mercado de capitais forte desenvolve o país. É justamente esse cenário que o Itaú não quer. Ele quer o país de antigamente, com altas taxas de juros. Se o Itaú não está satisfeito com nosso modelo, deveria repensar sua participação (na XP).”
Foi o que ocorreu: a participação foi repensada e ambos seguirão por onde achar melhor. A XP continuará inovando com mais liberdade e um salto de governança e o Itaú buscará ser menos “bancão”, num mercado no qual as plataformas digitais crescem exponencialmente por atender muito melhor as necessidades de clientes cansados de serviços ruins, taxas, juros altíssimos — e cada vez mais dispostos a investir sem intermediação de gerentes treinados para empurrar produtos financeiros vantajosos apenas para a instituição da qual recebem salário.
A cisão, no entanto, não elimina uma situação paradoxal: o banco que é cada vez mais concorrente continuará indicando integrantes para o conselho de administração da XP, instância responsável pela tomada de decisões estratégicas da empresa. “A cisão não foi um divórcio, até porque nunca houve casamento, mas é um primeiro passo rumo à separação”, disse uma fonte do mercado financeiro a O Antagonista.
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