O déficit de transparência do STF
O JOTA entrevistou o procurador e pesquisador Alexandre Douglas Zaidan, que fez um levantamento sobre mais de uma centena de casos de arguição de ministros do STF por impedimento ou suspeição. Nenhum foi julgado.Leia um trecho da entrevista...
O JOTA entrevistou o procurador e pesquisador Alexandre Douglas Zaidan, que fez um levantamento sobre mais de uma centena de casos de impedimento ou suspensão de ministros do STF. Nenhum foi julgado.
Leia um trecho da entrevista:
JOTA – O que está por trás dos dados que você pesquisou: a falta de controle interno sobre a conduta dos ministros, corporativismo, a percepção de que o Supremo estaria imune a suspeições e impedimentos?
Zaidan – Não é possível apontar uma causa única para o déficit dos critérios de aferição da imparcialidade no STF. Apesar da maior exposição que a Corte e os ministros passaram a experimentar nos últimos anos, penso que não se pode afirmar que o STF seja um Tribunal cuja transparência esteja acima de qualquer suspeita. Pelo contrário, diversos conflitos de interesse envolvendo direta ou indiretamente os ministros têm sido noticiados pela imprensa, o que é bastante revelador de uma incongruência entre o discurso normativo pronunciado nas decisões e o comportamento dos integrantes da Corte.
O art. 282 do Regimento Interno do STF dispõe que, admitida a arguição e ouvidos o ministro recusado e testemunhas, o incidente de impedimento ou suspeição deve ser submetido ao plenário do Tribunal, em sessão secreta. Entretanto, das 123 arguições analisadas, nenhuma foi levada à deliberação dos demais ministros. Em geral, três tipos de solução costumam ser acolhidas pela Presidência da Corte nesses casos. Um grupo bastante significativo de arguições é rejeitado por não preencher uma condição formal, como intempestividade ou falta de legitimidade; o segundo grupo de arguições tem seu exame prejudicado pela ocorrência do julgamento da ação principal ou pelo reconhecimento da condição de suspeito ou impedido pelo ministro arguido, e o terceiro maior contingente é de arguições julgadas improcedentes pela Presidência, muitas vezes sem que o ministro arguido seja ouvido. Esta última hipótese é autorizada pelo Regimento do Tribunal.
JOTA – Dos 123 casos que você analisou, nenhum foi julgado pelo plenário. O que isso mostra? Revela que a Presidência do Supremo, qualquer que seja ela, busca blindar o Tribunal dessas suspeições?
Zaidan – O diagnóstico evidenciado a partir do levantamento das arguições de suspeição e impedimento mostra que o discurso da imparcialidade dos ministros do STF é destacado por duas características marcantes: a forte concentração do poder de decisão assumida pela Presidência do Tribunal e a deficiência de critérios deliberativos adequados a exprimir a visibilidade do modo como os integrantes da Corte definem os limites da própria jurisdição quando têm a sua imparcialidade questionada.
O fato de nenhuma das arguições ter sido levada ao plenário revela que o STF não parece disposto a discutir a parcialidade de seus ministros e que o questionamento da imparcialidade na Corte não tem encontrado espaço adequado nos instrumentos processuais postos à disposição dos jurisdicionados. Os dados sugerem que a avaliação dos ministros sobre a própria imparcialidade e de seus colegas assume uma condição naturalizada, sequer discutida na forma juridicamente estabelecida, o que fragiliza a condição imparcial do Tribunal. Outra hipótese é a de que esse padrão decisório, que mantém o silêncio sobre as arguições, constitui uma espécie de autoproteção dos ministros em relação à desconfiança externa. Pode-se cogitar que, de forma deliberada ou não, os ministros teriam criado um ambiente de cumplicidade entre si como mecanismo de preservação das suas próprias biografias e da imagem do Tribunal contra tentativas de desvelar alguma motivação pessoal para as decisões.
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