A democracia americana nunca esteve tão forte
Amanhã é dia de eleição presidencial nos Estados Unidos. Noventa e quatro milhões de americanos votaram antecipadamente, seja por correio ou em locais de votação que abriram bem antes de 3 de novembro. Esse número faz supor que haverá uma quantidade recorde de cidadãos que se darão ao trabalho de escolher o próximo presidente, num país em que o voto não é obrigatório. É uma boa notícia, independentemente do resultados das urnas: a democracia americana nunca esteve tão forte...
Amanhã é dia de eleição presidencial nos Estados Unidos. Noventa e quatro milhões de americanos votaram antecipadamente, seja por correio ou em locais de votação que abriram bem antes de 3 de novembro. Esse número faz supor que haverá uma quantidade recorde de cidadãos que se darão ao trabalho de escolher o próximo presidente, num país em que o voto não é obrigatório. É uma boa notícia, independentemente do resultados das urnas: a democracia americana nunca esteve tão forte.
Você liga a televisão e acha que os Estados Unidos estão à beira de uma nova guerra civil. Que haverá uma tentativa de secessão ou algo que o valha, tanto no caso de vitória de Joe Biden ou de Donald Trump. Que a sociedade americana entrará em convulsão. Esse tom apocalíptico na eleição foi criado pelo atual presidente republicano, que insinuou que não aceitaria um resultado negativo porque fraudes monumentais poderiam ser perpetradas pelos democratas, principalmente nos votos pelo correio. Os partidários de Joe Biden passaram, então, a usar essa fala cretina de Trump para estimular os seus eleitores a comparecer maciçamente às urnas, como se o país estivesse correndo o risco de um golpe de estado.
Não vai ter golpe nenhum, mesmo que o resultado da eleição seja contestado de uma parte ou de outra e a coisa vá parar na Suprema Corte, tal como ocorreu na disputa entre George W. Bush e Al Gore, em 2000, quando os votos na Flórida foram recontados exaustivamente até que os juízes foram provocados a manifestar-se e deram um basta no imbróglio eleitoral. Em janeiro, os Estados Unidos terão um presidente e ponto final: ele terá um mandato de quatro anos. Se for Joe Biden, o democrata poderá tentar reeleger-se; se for Donald Trump, o republicano será obrigado a pendurar as chuteiras depois do segundo mandato.
Distúrbios podem ocorrer isoladamente, mas nada que ameace a democracia na América. Inclusive porque a democracia É a América. O país foi a primeira grande república moderna e, apesar de todos os percalços que sofreu, de todas as desigualdades que mancharam e mancham a sua história (e elas aumentaram fortemente no segundo mandato de Barack Obama), a sua alma é democrática, o seu sistema será sempre o capitalista e a liberdade de expressão será sempre absoluta. Em 1835, o francês Alexis de Tocqueville escreveu o clássico Da Democracia na América. Publicado trinta anos antes da Guerra de Secessão, o livro mostra a divisão entre os estados do Norte e do Sul e entre os partidos políticos que levariam à guerra civil. A polarização numa sociedade ainda escravocrata, meninos, era imensamente maior e mais violenta do que a apontada hoje por gente assustadiça.
Apesar de mostrar a divisão nos Estados Unidos, Alexis de Tocqueville não tinha dúvida de que estava se forjando na América do Norte uma sociedade com mentalidade inteiramente nova, sem a hierarquia social que imobilizava os países da Europa, e que viveria em efervescência constante, em debates contínuos. Foi o que se viu depois disso. Ora mais aparente, ora menos evidente, a polarização sempre existiu nos Estados Unidos. Mas, como notou Alexis de Tocqueville, trata-se de uma nação nas quais ricos e pobres repousam sobre o mesmo princípio:
“As paixões que agitam mais profundamente os americanos são as paixões comerciais e não as paixões políticas — ou melhor, eles transferem para a política os hábitos dos negócios. Eles amam a ordem, sem a qual os negócios não saberiam prosperar, e valorizam a regularidade moral, que é a base das boas casas; ele preferem o bom senso que cria as grandes fortunas ao gênio que frequentemente as dissipa, as ideias gerais assustam os seus espíritos acostumados aos cálculos positivos, e entre eles a prática é mais respeitada do que a teoria. É preciso ir à América para compreender a força que exerce o bem-estar material sobre as ações políticas e até sobre as próprias opiniões, que só estão submetidas à razão.”
A democracia na América experimentou vários solavancos internos e externos desde 1835: a Guerra de Secessão, o assassinato de Abraham Lincoln, as Guerras Mundiais, a Grande Depressão, a Guerra do Vietnã, o macartismo, a Crise dos Mísseis em Cuba, o assassinato de John Kennedy, a dura luta pelos direitos civis dos negros, Watergate, o atentado a Ronald Reagan, a Guerra do Golfo, os ataques terroristas em 2001, a crise financeira de 2008 e, agora, a pandemia. Mas os Estados Unidos jamais perderam ou perderão a sua essência democrática, porque ela é alma desse grande negócio que é o país.
Em conferência à Associação Americana de Jornais, em 1925, ao comentar o papel da imprensa numa sociedade baseada na livre-iniciativa, o então presidente Calvin Coolidge disse o seguinte:
“Afinal, o principal negócio do povo americano é fazer negócio. Eles estão profundamente preocupados em produzir, comprar, vender, investir e prosperar no mundo.”
Em resumo, o país jamais será socialista, como quer fazer crer Trump, e jamais será uma ditadura de direita, como sugerem os democratas, porque o capitalismo americano não suportaria as amarras de um regime autoritário. A democracia surgida em 1776 vive em ebulição permanente e o atual discurso apocalíptico não passa de estridência. Como tal, é incapaz de romper o contrato nacional que fundou a mais poderosa e rica nação da Terra. São os Estados Unidos, seu estúpido.
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