O teatro de Celso de Mello quanto ao depoimento de Bolsonaro
Jair Bolsonaro se dá tão pouco ao respeito, que o ministro Celso de Mello achou que podia faltar com o respeito ao presidente da República, ao determinar que ele prestasse depoimento presencialmente no âmbito da investigação sobre a tentativa de interferência de Bolsonaro na direção da Polícia Federal. Ninguém precisa aprovar ou gostar de Bolsonaro, para constatar que a decisão de Celso de Mello é uma afronta à instituição presidencial...
Jair Bolsonaro se dá tão pouco ao respeito, que o ministro Celso de Mello achou que podia faltar com o respeito ao presidente da República, ao determinar que ele prestasse depoimento presencialmente no âmbito da investigação sobre a tentativa de interferência de Bolsonaro na direção da Polícia Federal.
Ninguém precisa aprovar ou gostar de Bolsonaro, para constatar que a decisão de Celso de Mello se trata de uma afronta à instituição presidencial. Afronta sabiamente evitada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ninguém pode acusar de ter simpatia por suspeitos de corrupção e outros desmandos, quando ele estabeleceu que Michel Temer prestasse depoimento por escrito no curso das investigações levadas a cabo a partir da delação dos executivos da JBS.
A torcida vibrou quando a decisão de Celso de Mello se tornou pública, na semana passada, mas mesmo o torcedor mais fanático não deve acumpliciar-se com o jogador do seu time que tenta quebrar a perna do adversário, para ficar no campo das metáforas futebolísticas tão ao gosto dos brasileiros. A metáfora cabe porque Celso de Mello foi mais um ministro do STF a comportar-se como jogador, não como juiz — e jogador do time rival ao do presidente da República, obviamente.
Como o Código do Processo Penal prevê que chefes dos Três Poderes possam dar depoimento por escrito no caso de serem testemunhas ou vítimas, Celso de Mello espertamente concluiu que, como Bolsonaro está na condição de investigado no inquérito, ele deveria prestar satisfações presencialmente a um delegado de polícia. Entrou no vácuo da omissão da lei, mais uma, para usar o cravos da chuteira. Barroso, por sua vez, lançou mão de analogia para proferir a sua decisão sobre Temer, o que juridicamente parece ser o mais correto quando as regras de processo penal têm lacunas (não se está falando de tipificação de crime por analogia). Já que o legislador aparentemente não pensou no caso de depoimento de presidente em exercício investigado pela polícia, está na hora de definir em lei a forma como isso seria feito, para não dependermos de jurisprudência de ocasião. Se for presencialmente para todo mundo, então fica combinado assim.
A repórter Carolina Brígido, de O Globo, ouviu três ministros do Supremo sobre a decisão do decano. Todos concordaram que a atitude de Celso de Mello só serviu para colocar ainda mais lenha na fogueira da relação entre Executivo e Judiciário. Inclusive porque o decano autorizou a presença de Sergio Moro, a outra parte, no depoimento, bem como a inquirição de Bolsonaro pelos advogados do ex-ministro da Justiça.
Ter pulso firme na condução de uma investigação não significa atropelar ritos ou afrontar poderes, ainda mais quando não há risco de um acusado mudar a sua versão sobre o assunto examinado ou alterar rumos do inquérito. Como os fatos são notórios e as contradições de Bolsonaro nesse caso já estão mais do que evidentes, as perguntas feitas presencialmente a ele por um delegado de polícia e os advogados da parte contrária só serviriam para submetê-lo a humilhação desnecessária.
O Brasil não precisa de teatro, já o temos de maneira suficiente em todos os aspectos da vida nacional. A maior contribuição que o STF poderia fazer neste momento é mostrar pulso firme em relação a ele próprio e ao STJ, sem qualquer histrionismo.
Data venia, abro divergência.
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