ENTREVISTA: ‘O que está em jogo é a reforma trabalhista’, diz juíza sobre ação no STF
Nos processos em que o STF discute qual índice de correção deve ser aplicado a indenizações concedidas pela Justiça do Trabalho, “o que está em jogo é a reforma trabalhista”. É o que diz a juíza do Trabalho Ana Fischer, coordenadora do Grupo de Altos Estudos do Trabalho do Ministério da Economia (Gaet)...
Nos processos em que o STF discute qual índice de correção deve ser aplicado a indenizações concedidas pela Justiça do Trabalho, “o que está em jogo é a reforma trabalhista”. É o que diz a juíza do Trabalho Ana Fischer, coordenadora do Grupo de Altos Estudos do Trabalho do Ministério da Economia (Gaet). Ela está à frente do grupo que analisa a segurança jurídica de novas medidas, juntamente com o ministro Ives Gandra Martins Filho, do TST. Na opinião de Ana Fischer, é justamente essa segurança a potencial vítima no julgamento do Supremo.
Os processos, que começaram a ser julgados ontem com as sustentações orais dos autores e interessados, pedem que o Supremo defina se o índice a ser aplicado nas condenações deve ser a Taxa Refencial (TR), como manda a reforma trabalhista, ou a inflação (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, IPCA). A discussão foi suspensa e será retomada no dia 26 de agosto.
Segundo Ana Fischer, o texto sobre o assunto na reforma trabalhista confirma a opção do Congresso por manter em vigor um sistema que existe desde 1991: o de que indenizações obtidas por meio de decisões judiciais trabalhistas devem ser corrigidas pela TR, mais juros de 1% ao mês. No entanto, o que passou a ocorrer logo depois da aprovação da reforma, em 2017, foi “uma resistência muito grande da Justiça do Trabalho” em aplicá-la, e por isso a questão está agora no Supremo envolvida em tantas disputas.
Leia a entrevista:
Esse caso é mais uma discussão sobre correção monetária de decisões judicias. Isso já não havia sido definido pelo STF?
O Supremo discute qual índice deve ser aplicado a todas as condenações da Justiça do Trabalho. O tribunal já se pronunciou a respeito de precatórios, não de decisões trabalhistas. Mas o que está em jogo é a reforma trabalhista. Nela, a TR foi restabelecida como índice de correção. Ela já era prevista havia muito tempo, desde uma lei de 1991, mas o Tribunal Superior do Trabalho a declarou inconstitucional. Para pacificar a questão, o legislador reafirmou que o índice deveria ser a TR. O TST chegou a levar a plenário uma discussão sobre o assunto e pretendia declarar a TR inconstitucional de novo. Por isso, o ministro Gilmar Mendes deu aquela liminar suspendendo o andamento dos processos que discutem o índice de correção. Como isso equivalia a cerca de 85% dos casos do país, o ministro reajustou a decisão.
Por que a reforma trabalhista está em jogo?
Porque o problema não é o IPCA de hoje, que até tem dado negativo em algumas situações. O problema é para trás. O IPCA vinha ficando muito superior à TR, e isso faz muita diferença. A preocupação é o pretérito, de 2009 para cá. Em 2014, o Supremo declarou inconstitucional o uso da TR para correção de precatórios e disse que a decisão valia para correção de valores reconhecidos a partir de 2009. Naquele julgamento, entrou o argumento da isonomia. O tribunal entendeu que o particular não poderia ficar em desvantagem em relação à Fazenda, e os impostos são corrigidos pela inflação. O problema é a insegurança jurídica que isso causa. A questão já vinha tormentosa há muitos anos e o legislador optou pela TR. O Congresso também faz avaliação de constitucionalidade: o projeto da reforma trabalhista passou pelas comissões legislativas e, como foi aprovado, a lei resultante tem presunção de constitucionalidade. Esse é o caminho correto: existia insegurança, o legislador optou pela TR. Só que houve uma resistência muito grande da Justiça do Trabalho em aplicar a reforma — e o TST, quase imediatamente, começou a declarar a inconstitucionalidade da TR.
No caso dos precatórios, o Supremo se pautou pelo argumento da isonomia. Isso não ocorre também no caso das condenações trabalhistas? Sem aplicar a inflação, o vencedor em um processo acaba recebendo menos do que poderia. Seria como se ganhasse, mas levasse menos, não?
É o que dizem as partes autoras de algumas das ações. E não é um argumento ruim, não. É um argumento muito bom – e acho que a tendência é o STF declarar a inconstitucionalidade da TR mesmo. As partes autoras das ações dizem que usar a TR acarreta perda de propriedade. Mas é descabido falar nisso, porque as condenações trabalhistas são corrigidas pela TR, mais juros de 1% ao mês, que são os juros trabalhistas também definidos numa lei de 1991. E isso é muito favorável. Eu sei que juros e correção são coisas diferentes, mas é preciso olhar para o conjunto. Não é possível mexer em um sem ver o que acontece com o outro. Na reforma trabalhista, isso foi levado em consideração. A TR foi mantida porque os juros já são muito favoráveis. E qualquer tentativa de substituir a TR pode levar também a que se mexa nos juros, inclusive baixando-os. Deve-se lembrar que reforma manteve os juros em 1% ao mês, o máximo que a Constituição permite fora do sistema financeiro.
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