Não, o entregador que traz o seu jantar não quer (e nem deve) ser empregado do iFood
Sindicalistas e partidos políticos tentam incorporar os entregadores que trabalham por meio de aplicativos à sua massa de manobra. Compreende-se: as fileiras de uns e de outros estão cada vez mais ralas. Para tanto, tentam incutir na rapaziada a ideia de que as plataformas de entregas online devem ser transformadas em empresas com obrigações trabalhistas. É uma visão oportunista e que, apesar dos protestos que volta e meia ocorrem, não vai ao encontro do desejo da maioria esmagadora dos entregadores...
Sindicalistas e partidos de esquerda tentam incorporar os entregadores que trabalham por meio de aplicativos à sua massa de manobra. Compreende-se: as fileiras de uns e de outros estão cada vez mais ralas. Para tanto, tentam incutir na rapaziada a ideia de que as plataformas de entregas online devem ser transformadas em empresas com obrigações trabalhistas.
É uma visão oportunista e que, apesar dos protestos que volta e meia ocorrem, não vai ao encontro do desejo da maioria esmagadora dos entregadores. Eles querem algumas garantias, mas não querem vínculos empregatícios com a plataformas, como explica a juíza do trabalho Ana Fischer, que integrou a comissão da Reforma Trabalhista e é coordenadora do Gaet, o Grupo de Altos Estudos do Trabalho do Ministério da Economia.
Em artigo para o site JOTA, ela aborda a questão de maneira cristalina.
Leia um trecho:
Na verdade, ouvidos acostumados a pleitos de trabalhadores percebem facilmente que a motivação dos protestos nada mais é do que a humaníssima e permanente irresignação com o estado de coisas, além da naturalíssima e saudável busca pela melhoria de ganhos. Percebe-se, enfim, que a insatisfação dos manifestantes é com aspectos da operação e não com o modelo de trabalho em si.
O que aqui se afirma foi corroborado por uma pesquisa do Ibope feita neste mês de julho, quando foram ouvidos mil entregadores. Destes, 70% disseram explicitamente não desejar ter vínculo de emprego com as plataformas por meio das quais trabalham. Rechaçam, portanto, os direitos trabalhistas clássicos insertos na CLT. No lugar, preferem o aperfeiçoamento do modelo atual de labor autônomo, não-exclusivo e flexível – antítese do vínculo empregatício subordinado.
E, de fato, é descabido enxergar emprego nessas relações.
Tais novas tecnologias (as plataformas) se colocam à disposição de consumidores e prestadores para que as duas pontas, através da sua livre utilização, estabeleçam suas interações laborativas. A figura do empregador nessa equação, como parecem ter percebido intuitivamente os próprios entregadores, desaparece. E o trabalhador, inserido nesse contexto, torna-se dono de si. Pode, não só determinar seu volume de trabalho e sua produtividade, como também organizar com liberdade seu tempo para prestar seus serviços a vários tomadores simultaneamente.
Não se vê a exclusividade do vínculo do emprego: o trabalhador trabalha quando, como e para quem quiser. Neste novo mundo do trabalho, é o trabalhador que se utiliza dos tomadores de serviços, na intensidade desejada, para auferir renda. É, pois, repita-se, impróprio enxergar emprego aí.
Não é, contudo, o que se ouve nesse debate que só faz esquentar.
O movimento dos entregadores diz que não tem lideranças, mas sua força e evidência estão sendo rapidamente aproveitadas pelos defensores do anacrônico discurso que antagoniza “exploradores” e “explorados”.
Sindicalistas interessados na inclusão do grupo à sua base de financiamento, congressistas de olho na próxima eleição e até uma parte minoritária e estridente dos próprios entregadores: não faltam vozes para dizer que essas pessoas atuam com inaceitável precariedade e fazem jus aos direitos trabalhistas típicos.
Os que não defendem o modelo da CLT, advogam um meio termo entre autonomia e emprego, onde se encontraria uma suposta proteção legal ideal. Em comum, as teses têm o fato de que podem, na verdade, piorar a situação desse contingente enorme de pessoas e famílias.
Hoje, a atuação dos entregadores com a roupagem jurídica de que já se valem (em regra, são microempreendedores individuais – MEI) lhes possibilita levar mais dinheiro para casa, com a mesma cobertura previdenciária de um empregado clássico – com a carteira assinada, passariam a ter descontos que diminuiriam sensivelmente sua renda líquida. Mesmo um modelo intermediário de “proteção” faria aumentar o custo do trabalho e, portanto, diminuir a demanda por ele, empurrando os entregadores para a informalidade.
A verdade é que, em um país com as nossas características de desenvolvimento, com nossos índices de desemprego e com a nossa baixíssima taxa de ocupação, a atividade autônoma e livre por meio de aplicativos tem um efeito social de que talvez não devêssemos abrir mão: ela gera renda e trabalho imediatos para quase qualquer um, com quase qualquer qualificação.
Leia aqui a íntegra do artigo.
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