Covid-19: nota do advogado-geral da União aponta para batalha no STF entre Bolsonaro e governadores
Está claro que o advogado-geral da União, André Mendonça, sentiu-se impelido pelo chefe, Jair Bolsonaro, a manifestar-se, sem citar nomes, sobre a possibilidade de João Doria vir a decretar o confinamento no estado de São Paulo, na próxima semana. O governador de São Paulo aventou essa hipótese dias atrás, visto que a quarentena não está dando o resultado esperado -- menos da metade da população do estado ficou realmente em casa, quando é necessário que ao menos 70% permaneça em isolamento social, para evitar a disseminação do coronavírus que causa a Covid-19...
Está claro que o advogado-geral da União, André Mendonça, sentiu-se impelido pelo chefe, Jair Bolsonaro, a manifestar-se, sem citar nomes, sobre a possibilidade de João Doria vir a decretar o confinamento no estado de São Paulo, na próxima semana. O governador de São Paulo aventou essa hipótese dias atrás, visto que a quarentena não está dando o resultado esperado — menos da metade da população do estado ficou realmente em casa, quando é necessário que ao menos 70% permaneça em isolamento social, para evitar a disseminação do coronavírus que causa a Covid-19.
Como publicamos, a nota de Mendonça diz que “como Advogado-Geral da União, defendo que qualquer medida deve ser respaldada na Constituição e capaz de garantir a ordem e a paz social. Medidas isoladas, prisões de cidadãos e restrições não fundamentadas em normas técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa abrem caminho para o abuso e o arbítrio. Por fim, medidas de restrição devem ter fins preventivos e educativos – não repressivos, autoritários ou arbitrários.”
A nota casa-se bem com o discurso de Bolsonaro, que se escuda no seu direito constitucional de ir e vir (é ele próprio quem diz), para dar mau exemplo aos cidadãos, como se a Covid-19 fosse um resfriadinho, uma gripezinha. O presidente vai para a rua e estimula aglomerações, como se viu hoje em Goiás, e partidários seus fazem o mesmo — neste sábado, eles interromperam o trânsito na Avenida Paulista, para gritar que “o coronavírus não existe” e “fora Doria”. Bolsonaro e os seus sequazes criam, assim, um caldo político para que medidas restritivas tomadas por governadores, especialmente o de São Paulo, sejam vistas como ameaça, não apenas à economia, mas à democracia e às suas liberdades fundamentais. Tal é a intenção do presidente com as suas saidinhas, evidentemente.
A menos que se considere Austrália, Nova Zelândia, Itália, França, Reino Unido e Estados Unidos países com regimes autoritários, é uma besteira imaginar que a democracia está ameaçada por um confinamento temporário que visa a preservar não apenas a vida de cada indivíduo, mas as de todos os cidadãos, em meio à calamidade pública nacional decretada, aliás, pelo governo federal. Se a calamidade pública permite fazer um “orçamento de guerra”, e contornar desse modo a Lei de Responsabilidade Fiscal, é evidente que também consente restringir a locomoção das pessoas na medida necessária a impedir que a epidemia se expanda para além da capacidade de atendimento do sistema de saúde. Guerra é guerra.
A estratégia de dar contornos autoritários à decretação de um confinamento em São Paulo ou qualquer outro estado brasileiro irá parar no STF, como aponta a nota do advogado-geral da União — e, no Supremo Tribunal Federal, essa estratégia não vingará, ao que tudo indica. Ministros já se manifestaram verbalmente sobre o fato de que se pode, sim, tomar medidas restritivas mais duras em prol do bem comum. Na semana passada, Alexandre de Moraes concedeu parcialmente uma liminar na qual afirma que não compete ao Executivo anular unilateralmente as decisões dos governos estaduais que determinem restrição de atividades e circulação de pessoas no contexto da pandemia. Antes de Moraes, Marco Aurélio Mello também decidira pela autonomia de governos de estados e prefeituras na instauração de medidas restritivas. Para além de tudo, o Brasil, por incrível que pareça, é uma federação, e o governo de cada estado pode adotar a medida que quiser, em defesa dos seus cidadãos, sem que isso fira a Constituição Federal. Proteger a saúde das pessoas e da sociedade vai ao encontro de premissas constitucionais. Se há calamidade pública nacional, por óbvio há calamidades públicas estaduais e municipais.
A semana que entra deverá marcar o início da batalha jurídica no STF, no caso de um certo governador não pipocar e vier a determinar o confinamento — batalha na qual está em jogo a vida de milhares de brasileiros. Os interesses políticos não podem prevalecer num momento como este, que deveria ser de união de um país prestes a ser engolido pelo coronavírus. Nesta guerra, só há um grande inimigo, e a batalha é contra ele.
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