Josias Teófilo na Crusoé: A cultura em xeque
Falta de dialogo da classe artística com a sociedade gera ódio aos mecanismos de fomento
O prêmio dado a Fernanda Torres no Globo de Ouro produziu todo um debate nas redes sociais.
Alguns mais à direita criticaram a atriz por suas posições políticas.
Outros, à esquerda, classificaram como uma vitória contra Jair Bolsonaro que, segundo eles, quis acabar com o cinema brasileiro e as leis de incentivo.
É um debate muito pouco qualificado, baseado em paixões políticas e sentimento de pertencimento a grupos, muitas vezes radicalizados.
Evidentemente é um absurdo desdenhar do trabalho de Fernanda Torres por suas posições políticas.
O prêmio a ela dado traz atenção ao cinema brasileiro no exterior, ajuda a encher as salas de cinema (que estavam mal desde a pandemia), fortalece o mercado audiovisual e a nossa economia.
É bom para todo mundo.
O prêmio é o resultado de uma carreira de sucesso de várias décadas e merece todo o nosso louvor.
Marcelo Rubens Paiva, o comunista autor do livro que virou filme, declarou o seguinte: “Tentaram acabar com o cinema brasileiro, criminalizar leis de incentivo à cultura, mas nós ainda estamos aqui. Eles se vão, a gente fica“.
Defendo há anos as leis de incentivo e o financiamento público de cultura, mas não compartilho da opinião do escritor: não sei se a classe artística vai continuar dispondo das leis de incentivo num futuro próximo.
Pelo seguinte motivo: nas últimas décadas, desde a redemocratização, a classe artística encastelou-se.
A esquerda tornou-se hegemônica como nunca no meio cultural, e como talvez poucos lugares do mundo.
É natural que uma parcela da população não se sentisse representada por essa classe artística – ainda mais por que ela não raro se torna monotemática “ele não”, “fora, Temer” etc, autorreferente e totalmente alienada (como nas críticas que fazia às queimadas na Amazônia durante o governo Bolsonaro, ignorando o tema no governo Lula).
Sempre lembro do saudoso Alberto Dines quando escreveu no livro O Papel do Jornal, que um veículo ideal teria todos os setores representados em sua redação.
O mesmo poderia ser dito do meio artístico: todos os setores da sociedade deveriam estar ali representados. Infelizmente não é o que acontece.
Não só uma grande parcela da sociedade não é representada de forma alguma, como é literalmente censurada – como os evangélicos na música pop, ou os conservadores no circuito do cinema autoral.
Existe a censura e existe a autocensura – muitas obras simplesmente não são feitas, sabendo que não teriam espaço.
Conheço várias pessoas que são de direita ou conservadores e não podem se expressar publicamente, pois seriam hostilizadas no meio que trabalham, o meio artístico.
Isso tudo enfraquece muito a classe artística frente à população em geral.
E, ao que tudo indica, a esquerda identitária vai sair do poder em 2026 – Lula já apresentou graves problemas de saúde, está com idade avançada e a economia vai muito mal. Até o seu Ministério da Cultura está perdendo o apoio da classe artística.
Existem várias tendências da direita em ascensão no mundo: o modelo do argentino Javier Milei, que é mais liberal, o do salvadorenho Nayib Bukele (voltado para a diminuição da criminalidade), o do americano Donald Trump o do bolsonarismo brasileiro.
Não vejo como nenhuma dessas tendências – liberal, voltada para a lei e a ordem, trumpista, ou o bolsonarismo – mantenha as leis de incentivo como existem no Brasil, se chegarem ao poder.
Tão grande foi a separação da classe artística com a sociedade em geral – coisa inexistente no passado – que os mecanismos de fomento tornaram-se impopulares, são constantemente questionados, muita gente os odeia e fará de tudos para acabar com eles.
Se acabarem – no caso de um Executivo e um Parlamento que formem maioria com esse objetivo – acho muito difícil que exista um movimento significativo na sociedade para reverter essa situação.
É hora da classe artística começar…
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