José Guillermo Pérez na Crusoé: De volta ao passado da Venezuela
Com o ritmo atual de crescimento (em média 4%), o país só recuperaria o PIB de 2013 no ano de 2054
A Venezuela sofre de um paradoxo temporal. Apesar dos calendários indicarem que avançamos um quarto do século 21, o país permanece preso no passado.
Em 1998, às portas do novo milênio, os venezuelanos votaram em Hugo Chávez acreditando que estavam dando os primeiros passos rumo ao século 21.
Estavam enganados e, como no famoso filme dos anos 80, De Volta para o Futuro, descobriram que, embora as máquinas do tempo possam ter o formato de um atraente DeLorean, geralmente criam mais problemas do que resolvem.
O DeLorean dos venezuelanos foi uma nova Constituição.
O texto prometia ampliar os direitos, garantir a participação popular e atender às demandas da população mais pobre.
Mas, no fim, a Constituição apenas aumentou os poderes do Executivo, facilitou o controle sobre o Judiciário e intensificou o envolvimento político dos militares.
No início, poucos perceberam que algo havia dado errado com nossa máquina do tempo.
O aumento dos preços do petróleo na primeira década do século 21 mascarou a fraqueza institucional e o excesso de gasto, e a maioria continuou votando no projeto de Chávez.
Mas, assim como aconteceu com Marty McFly, o protagonista do filme, os venezuelanos eventualmente descobriram que estavam presos nos anos 50, com militares governando o país e a antiquada ideia de que o Estado deve substituir o mercado.
De volta ao passado
Com a morte do criador da máquina do tempo, a Venezuela teve a chance de olhar para o futuro novamente.
No entanto, muitos já haviam se encantado com a elegância e os tons pasteis dos anos 50.
O país queria alguém que ressuscitasse a sensação de liberdade e sofisticação que os gastos descontrolados traziam. Disciplina fiscal era coisa para quem não tinha petróleo.
Com Nicolás Maduro, novas velhas fórmulas começaram a ser experimentadas.
Segundo sua teoria do tempo, era necessário voltar ainda mais ao passado.
Assim, os controles sobre a sociedade aumentaram e os últimos traços de democracia desapareceram do país.
Mas a viagem no tempo não teve nada de sofisticado.
Os venezuelanos tiveram que voltar ao escambo, retomaram o uso do fogão a lenha devido à escassez de gás, muitos ficaram sem eletricidade e a tuberculose, doença que já havíamos erradicado, reapareceu no país.
Maduro criou sua própria “caderneta” de racionamento, limitou as compras por pessoa e prendeu empresários. Nada funcionava.
A Venezuela entrou na pior crise econômica já vivida no hemisfério.
Entre 2014 e 2020, o país perdeu até 75% de seu PIB; em 2021, a inflação atingiu 2.000.000%; e, segundo a ACNUR (2024), 7,7 milhões de venezuelanos (de uma população estimada em 30 milhões) deixaram o país.
Não é coincidência que a produção de petróleo em 2020 (300 mil barris por dia) fosse equivalente à de 1929.
Em algum momento, a máquina do tempo quebrou.
Hoje, a Venezuela vive uma distopia que mistura passado e futuro.
A economia está dolarizada, mas os salários são pagos em bolívares.
O salário mínimo equivale a 4 dólares (20 reais), mas em 2021 foi inaugurado um showroom da Ferrari em Caracas.
O governo usa Inteligência Artificial para propaganda, mas a maioria da população sofre com cortes constantes de energia e os meios de comunicação independentes estão bloqueados na internet.
Em 2022, economistas calcularam que, com o ritmo atual de crescimento (em média 4%), a Venezuela só recuperaria o PIB de 2013 no ano de 2054. Se já é difícil voltar ao passado, quem dirá pensar no futuro.
De volta ao futuro?
O dia 10 de janeiro é a data constitucionalmente estabelecida para a posse presidencial, e os venezuelanos têm novamente a oportunidade de olhar para o futuro.
Não há dúvidas de que o candidato da oposição, o embaixador Edmundo González Urrutia, venceu as eleições de 28 de julho.
Porém, o provável é que Nicolás Maduro permaneça no poder pelos próximos seis anos.
Por quê?
O problema é o mesmo enfrentado por McFly no filme: recursos.
O protagonista precisava de plutônio para fazer a máquina do tempo funcionar, mas, em 1950, isso não existia.
Ele dependia de um evento fortuito (a energia gerada por uma tempestade) para fazer a máquina voltar a funcionar.
Na Venezuela, o plutônio (o controle sobre as instituições e as armas) está nas mãos da ditadura de Maduro.
A elite militar já demonstrou estar disposta a protegê-lo, mesmo diante de violações constitucionais e de direitos humanos.
Além disso, hoje há uma ampla rede de policiais e serviços de inteligência.
Na Venezuela, o Estado não consegue fornecer eletricidade e água potável à população, mas garante que as forças de segurança tenham tecnologia suficiente para espionar, perseguir e prender dissidentes políticos.
E a oposição?
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