Rodolfo Borges na Crusoé: A ressurreição do Botafogo
O problema do botafoguense, hoje, é se frustrar com uma eliminação precoce em um Mundial de Clubes. Nada mal
Pode soar estranho escrever isto após o Botafogo ser subjugado pelo Pachuca por 3 a 0 nas quartas de final do Mundial de Clubes da FIFA, mas a verdade é que, para o futebol sul-americano, há poucas glórias maiores hoje em dia do que poder ser humilhado no torneio intercontinental.
O Botafogo figurou ao lado do Santos durante décadas como um dos pilares rachados do futebol brasileiro, vivendo à sombra das glórias de Garrincha, Nilton Santos e Didi.
O Campeonato Brasileiro conquistado em 1995, ironicamente contra o Santos, serviu de alento em meio aos anos de penúria, mas foi uma conquista pontual e veio antes dos rebaixamentos dos anos seguintes.
Rival do alvinegro carioca num passado distante, o clube da Vila Belmiro se reergueu antes, com Robinho e Diego, e depois de forma épica, com Neymar, antes de também ir parar na Segunda Divisão. Agora, é a vez de o Botafogo brilhar.
SAF
Os caminhos são distintos. O Botafogo se tornou a Sociedade Anônima do Futebol (SAF) mais vitoriosa do Brasil, apenas dois anos depois de a lei que autorizou os clubes-empresa começar a valer no país.
A possibilidade de renegociar dívidas a partir de um investimento considerável foi determinante para o clube se reorganizar, e o dono da SAF, o americano John Textor, ainda abriu os cofres para contratar jogadores estrelados um ano depois de passar vergonha no Brasileirão.
Uma temporada depois de entregar o título nacional nos colo do Palmeiras, o Botafogo se impôs diante do clube paulista nas duas competições que ganhou, a Copa Libertadores da América e o Campeonato Brasileiro, cujas conquistas o fizeram igualar o feito do Flamengo de Jorge Jesus.
Vida nova
“A partir daquela noite, teve início para Nekhliúdov uma vida inteiramente nova, não só porque ingressou em novas condições de vida, mas também porque tudo que lhe aconteceu dali em diante ganhou para ele um significado inteiramente distinto do anterior. Como terminará essa fase de sua vida, o futuro mostrará”, diz o narrador de Ressurreição, de Tolstói. Vale para os botafoguenses.
O livro conta a história do príncipe Dmitri Ivánovich Nekhliúdov, que, ao saber que causou a desgraça de uma camponesa ao seduzi-la quando jovem — e depois de contribuir involuntariamente, como jurado de seu julgamento, para sua condenação a trabalhos forçados na Sibéria —, tenta reparar o próprio erro de forma obsessiva.
O trecho em que Nekhliúdov reflete sobre seu primeiro encontro com Catarina Máslova após a condenação, sete anos depois de os dois terem se encontrado pela última vez, ajuda a entender como uma torcida como a do Botafogo sobreviveu por tanto tempo sem disputar títulos relevantes:
“Surpreendeu-o sobretudo o fato de Máslova não só não se envergonhar de sua condição — não de prisioneira (disso ela se envergonhava), e sim de prostituta —, como parecer até satisfeita, e quase orgulhosa. No entanto, não poderia ser de outro modo. Todas as pessoas, a fim de exercerem sua atividade, precisam considerá-la importante e boa. Por isso, qualquer que seja a sua situação, a pessoa criará necessariamente uma visão geral da vida em que a sua atividade lhe parecerá importante e boa.”
Problemas novos
O botafoguense não precisará mais, a partir deste ano, considerar a derrota como algo importante ou bom, porque de alguma forma purificaria sua devoção ou coisas do gênero.
Seus problemas agora são se frustrar com uma eliminação no Mundial de Clubes, um torneio que o clube nunca tinha disputado, e sentir a falta de um título mundial, como outros grandes do Brasil fazem. Nada mal.
Mas é bom torcer também para o Botafogo aproveitar o investimento momentâneo para se reestruturar de fato e não depender demais de Textor, cujo Lyon foi rebaixado para a segunda divisão do Campeonato Francês por problemas financeiros…
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