Quem discorda de Applebaum sobre riscos de Trump à democracia
Entenda os argumentos de colunistas americanos que não veem a ameaça alegada pela historiadora e jornalista
A historiadora e jornalista americana Anne Applebaum, que vem apontando riscos para a democracia dos Estados Unidos caso Donald Trump vença a eleição de terça-feira, 5 de novembro, declarou à Folha de S. Paulo em entrevista publicada nesta segunda, 4:
“Trump chegou a citar os nomes das pessoas que iria perseguir: os parlamentares [democratas] Nancy Pelosi e Adam Schiff e o procurador especial Jack Smith. Trump já expressou de várias maneiras seu desprezo pela lei, disse que queria ser ditador por um dia. Ele é um candidato à Presidência e, se diz que irá fazer isso, então nós temos que levar a sério”, disse a autora dos livros “O crepúsculo da democracia”, de 2020, sobre governantes que se elegem em regimes de liberdade e corroem as instituições por dentro; e “Autocracia S.A.”, de 2024, sobre a rede internacional por meio da qual líderes autoritários se ajudam com finanças e estratégias de propaganda.
A retórica eleitoral de Trump, no entanto, é insuficiente para representar riscos à democracia dos EUA, na visão de outros colunistas americanos não entrevistados por jornais brasileiros.
“Polarização política e cultural”
Um deles – que já foi até repórter do Intercept – é Zaid Jilani, membro escritor do Bridging Differences, do Greater Good Science Center, da Universidade de Berkeley, um programa que aborda, segundo o site oficial, “uma das questões mais urgentes do nosso tempo: polarização política e cultural”.
“Ocorreu-me que muitas dessas pessoas que argumentam que Trump vai transformar a América em uma ditadura não acreditam no sistema americano. Elas acham que ele depende do caráter de uma pessoa, elas não acreditam que nossos freios e contrapesos funcionam. Bem, eu discordo”, comentou Jilani no X, na quarta-feira, 30 de outubro.
“Eles parecem pensar que a América já é uma ditadura, é por isso que é tão importante ter um certo tipo de presidente. Quando a realidade é que o sistema previne ditaduras, e não depende de ter um presidente de certo caráter.
Durante os anos de Trump [no governo], houve toda essa especulação de que ele simplesmente ordenaria um ataque nuclear do nada. Bem, se isso é um problema, então mudem o sistema para que o presidente não possa fazer isso unilateralmente. Os sistemas são o que importa aqui, não o líder individual”, completou o jornalista, que tem mestrado pela Universidade de Syracuse, no estado de Nova York.
“Falta de fé nas instituições dos EUA”
Um advogado ponderou que toda essa linha de argumentação soa como dizer: “A sobriedade e o temperamento do motorista não importam tanto, se o carro tiver cintos de segurança e airbags”, mas Jilani rebateu:
“Eu não disse isso e conheço pessoas que estão votando contra Trump porque acham seu caráter inadequado para o cargo. No entanto, isso é diferente de pensar que, se ele vencer, haverá uma ditadura. Isso mostra uma notável falta de fé nas instituições dos EUA.
E se você realmente acha que a América vira uma ditadura se Trump vencer de novo, por que você está aqui? Você é rico e pode ir a qualquer lugar que quiser, diferentemente de pessoas em muitas ditaduras reais.”
“Insurreição violenta”
Outro usuário provocou Jilani: “Você perdeu a insurreição violenta a que todos nós assistimos na TV no J6 [6 de janeiro de 2021]? Mas, por favor, continue a palestra.”
O jornalista respondeu: “No país mais armado do planeta Terra, essa chamada insurreição não teve uma pessoa atirando? Desculpe, é preciso muito mais do que isso para estabelecer uma ditadura. E se você está tão assustado, por que está aqui? Nem você acredita em suas próprias palavras.”
O analista Robert Pondiscio, membro sênior do American Enterprise Institute, compartilhou os comentários de Jilani no X e sintetizou no dia 31:
“Eu apontei isso repetidamente para os alunos ao longo dos anos. Nós elegemos um presidente, não um rei. A Constituição não é ameaçada por um autoritário. Ela foi escrita em antecipação a um.”
“Não estou muito preocupada”
A colunista Ingrid Jacques, do USA Today, publicou artigo na mesma linha, nesta segunda-feira, 4 de novembro, tratando das alegadas ameaças dos dois lados:
“Pode me chamar de sonhadora, mas não estou muito preocupada com o futuro da nossa democracia… Também tenho fé de que nosso sistema de governo sobreviverá…
Tanto Trump quanto Harris se inclinaram para chamar seu oponente de ameaça à democracia e usaram táticas de medo como uma maneira de atrair apoiadores.
Trump rotulou Harris como uma extremista de esquerda que transformaria os Estados Unidos em uma meca marxista. Harris chamou Trump de fascista, desequilibrado e tirano…
O presidente importa. Sem dúvida. Mas nosso sistema de governo foi projetado para que nenhum ramo possa ter muito poder. Essa é a beleza dos freios e contrapesos.
Também se espera que quem ganhar a presidência lute com um Congresso dividido. Isso deve aliviar os medos dos eleitores, já que um governo dividido funcionará como um impedimento para a agenda de qualquer presidente…
Harris e os democratas gostam de retratar Trump como um aspirante a ditador que poderia, sozinho, derrumar nossa democracia.
Isso não é possível, dada a beleza da nossa Constituição”, escreveu Ingrid, mestre em Jornalismo pela Universidade do Estado de Michigan.
“Retórica apocalíptica”
Em 23 de julho, na esteira do atentado contra o candidato republicano, a colunista Ann Coulter, autora de uma série de livros críticos à esquerda americana, ironizou em artigo:
“Se você estava preocupado com a possibilidade de esquerdistas atenuarem a retórica apocalíptica sobre Donald Trump após a tentativa de assassinato de sábado — ‘Ele é uma ameaça existencial à democracia! Um fascista! Um aspirante a ditador! Um autoritário! Hitler!’ —, você pode ficar tranquilo.
Aparentemente, a esquerda concluiu que a melhor maneira de evitar a violência política no futuro é aumentar seus terríveis alertas sobre o fim da democracia, prenunciado por uma segunda presidência de Trump. (Isso é quase tão bom quanto o plano deles de reduzir os déficits gastando mais.)”
Ela então listou uma série de atentados históricos dos EUA cometidos por ativistas de esquerda, até ironizar a exploração esquerdista da chamada insurreição de 2021:
“Antes de começarem a lamentar sobre como ‘quase perdemos nossa democracia em 6 de janeiro’, essa foi a única violência da multidão de direita na história dos EUA. E nunca ouviremos o fim disso. Seus netos estarão em lares de idosos e 6 de janeiro ainda estará no topo do feed de notícias.
Um chá bastante fraco, comparado à violência épica exibida no ano anterior pelos manifestantes do Black Lives Matter (‘Vidas Negras Importam’), esmalçado pela mídia que odeia a polícia.
Carnificina de 6 de janeiro: uma pessoa morreu — o manifestante Ashley Babbitt, que foi morto a sangue frio por um policial do Capitólio por invasão de propriedade; e US$ 2,7 milhões em danos materiais.
Carnificina do BLM: 25 mortes, milhares de policiais feridos, centenas de outros hospitalizados, US$ 2 bilhões em danos à propriedade e lojas incendiadas, bairros e delegacias de polícia.“
Distorção
Na sexta-feira, 1º de novembro, a quatro dias da eleição, a distorção da crítica de Trump à postura de “falcão de guerra” da ex-deputada republicana Liz Cheney, como se tivesse feito apologia de homícidio, ainda levou Ann Coulter a compartilhar o comentário de Ryan James Girdusky, autor do livro “Eles não estão ouvindo – como as elites criaram a Revolução Populista Nacionalista”, sobre o caso: “Esta eleição é mais do que Trump vs. Harris… é realmente sobre derrotar a indústria de notícias falsas.”
O ex-presidente Barack Obama, do Partido Democrata, também alimentou essa “indústria”, como mostramos, ao explorar, às vésperas da eleição, outra distorção feita por setores da imprensa a partir de uma fala do candidato republicano, no caso dos neozistas de Charlottesville em 2017. Para quem vive lamentando um “país tão dividido”, atacar o oponente com uma farsa já desmascarada não é lá um expediente coerente e unificador.
A demonização de Trump, na verdade, dilui e enfraquece críticas legítimas que ele faz por merecer, como eu, Felipe, afirmei em 2016, durante a corrida eleitoral em que o republicano derrotaria Hillary Clinton. Oito anos depois, os EUA apenas andaram oito anos para trás.
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Comentários (4)
ISABELLE ALÉSSIO
06.11.2024 20:37Gostei do texto. O mundo não acabará ao contrário do que muitos dizem por aí .
Fernando Rocha Da Silva
04.11.2024 20:12Pior do que o silencio é uma pseudo defesa que não enxerga o abismo. "Quando você olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você." Nietzsche “O que me preocupa não é grito dos maus, mas o silêncio dos bons" Martin Luther King jr O projeto 2025 deveria ser suficiente sobre qual é a visão de mundo do Trump, se não é suficiente vejam o que os amigos deles já fizeram na Hungria, Russia, etc.
WAGNER LUNGOV
04.11.2024 16:45O problema é que parece que o povo quer, está pronto a aceitar uma autocracia, desde que seja do seu candidato.
Suely Racy
04.11.2024 15:15Trump tem 78 anos. Em 2026 faz 80. Que risco para a democracia que pode ter??????? Ele não vai tentar a reeleição