O que explica o tratamento que empresas concessionárias, como a Enel, estão dando aos brasileiros? Simples: compensa. É lucrativo.
A pergunta que ninguém parece fazer, mas que é fundamental, é se a Enel distribuiu dividendos após o desastre do ano passado, quando milhares ficaram mais de quarenta dias sem luz. Distribuiu. Os executivos receberam seus bônus. Funcionários, sua participação nos lucros e resultados. Se todos foram recompensados após aquele desastre do ano passado em São Paulo, por que mudariam? O que há de errado, se receberam incentivos para continuar exatamente como estão?
A empresa, claro, apresentou um plano de contingência ao governo. Um plano bonito no papel, prometendo que nada semelhante ao caos anterior se repetiria. Mas aqui estamos, na mesma região, e o que vemos? Nada de plano nas ruas, nada de equipes, nada de materiais, nada de carros. A luz se foi e o que fica é o descaso.
E agora? Cadê o início do processo de caducidade da concessão da Enel? Ano passado, escaparam ao se comprometer com uma melhoria que nunca veio. Mas este ano? Vai continuar assim até 2028, como se nada tivesse acontecido? Enquanto isso, o ministro das Minas e Energia esteve em Roma, ao lado dos executivos da Enel, falando em renovar a concessão enquanto vivíamos o caos aqui.
Minha casa continua sem eletricidade. Não tem também celular, telefone fixo nem internet móvel. Agora a água da rua está parando. A previsão da Enel era de retomar amanhã. Numa entrevista coletiva, o Ministério das Minas e Energia deu mais três dias para a empresa restabelecer o serviço. Pronto, a previsão já mudou para quinta. Alguns vizinhos ouviram sexta.
A Enel, com certeza, vai distribuir mais dividendos. Os executivos que planejaram esse serviço de “qualidade” provavelmente receberão seus bônus no fim do ano. E quem vai pagar a conta desse desastre todo? Nós, os mesmos que estão desde sexta-feira sem luz, que recebem promessas vazias de atendimento e prazos irreais. E mesmo assim, os responsáveis continuam faturando, e o ciclo de descaso segue em frente.
O problema maior é que a população parece mais interessada em discutir privatização versus comunismo, em travar batalhas ideológicas na internet, do que em cobrar soluções reais. É um desvio do foco que beneficia quem está no poder e permite que o verdadeiro problema fique sem solução. O que as pessoas querem agora? Querem corrigir os outros na internet, querem dizer “eu avisei”, mas cobrar os responsáveis, de verdade, elas não querem.
Existe ainda um outro ponto fundamental: como é que nós não fomos avisados sobre o ciclone? Cadê as previsões, os alertas da imprensa, as instruções para evitar sair de casa, as orientações para se abrigar em segurança? Quando eu trabalhava com jornalismo de prestação de serviço, chovia informação antes de qualquer tempestade. O governo, as agências de defesa civil, todos se mobilizavam para avisar a população. Hoje, só descobrimos a dimensão do problema quando ele já está sobre nossas cabeças.
Estamos tão informados sobre desastres naturais do outro lado do mundo, sabemos até a cor da cueca do furacão Milton. No entanto, esquecemos de olhar para o que está acontecendo aqui, no nosso quintal. E por que isso acontece? Porque o povo não cobra. Estão muito ocupados rindo de quem se ferrou, brigando por política, enquanto o caos segue.