Rodolfo Borges na Crusoé: O terceiro sexo olímpico
Na competição esportiva, não importa apenas o corpo da atleta transexual ou intersexo, mas sua interação com os outros corpos
“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, diz Simone de Beauvoir na passagem mais célebre de O Segundo Sexo, que segue assim: “Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado, que qualificam de feminino”.
A perspectiva do gênero como construção social está na base da proliferação infinita de identidades pré-moldadas em departamentos universitários dos Estados Unidos. A frase clássica da filósofa francesa, em particular, tem sido utilizada para embasar a defesa das mulheres transexuais, apesar de uma frase menos famosa de O Segundo Sexo dizer que “nenhum homem consentiria em ser uma mulher”.
É claro que esse tipo de afirmação depende do que se entende por mulher. A própria Simone de Beauvoir diz, ao se referir às mulheres, que “esse corpo é presa de uma vida obstinada e alheia que cada mês faz e desfaz dentro dele um berço; cada mês, uma criança prepara-se para nascer e aborta no desmantelamento das rendas vermelhas; a mulher, como o homem, é seu corpo, mas seu corpo não é ela, é outra coisa”. O corpo da mulher trans é uma terceira coisa, portanto.
Os limites biológicos que os militantes do gênero preferem não enxergar continuam se impondo apesar dos discursos e das vontades, e, mais do que em qualquer outro lugar, ele grita no esporte. Uma transexual pode viver como mulher legalmente em sociedades liberais, e o fará com mais conforto e facilidade na medida em que conseguir moldar seu corpo às formas femininas — além do comportamento e da própria voz.
Mas, na competição esportiva, não importa apenas o corpo da transexual, e sim sua interação com os outros corpos. Essa questão voltou aos holofotes por linhas tortas — ou cromossomos tortos, para não perder o trocadilho. Boxeadoras que teriam cromossomos XY, que definem biologicamente o corpo masculino, foram identificadas como intrusas nas Olimpíadas de Paris (na foto, a taiwanesa Lin Yu-Ting é alvo de protesto da búlgara Svetlana Staneva após vencê-la).
Não são casos novos, mas ganharam destaque à luz das controvérsias sobre a presença de transexuais em competições femininas. A velocista sul-africana Caster Semenya, bicampeã olímpica dos 800 metros, é o caso recente mais conhecido de atleta intersexo, mulher com características físicas masculinas, como destaquei em Jogue como uma garota trans ao escrever sobre o livro Sporting Gender, de Joanna Harper, que trata de muitos outros casos.
Semenya foi…
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