TCU só será coerente se obrigar Lula a entregar relógio
O presidente já precisou devolver 568 itens recebidos em mandatos anteriores. Não faz sentido abrir uma exceção agora
O TCU deve decidir nesta quarta-feira, 7, o destino de um relógio de 60 mil reais que Lula recebeu de presente em 2005, em sua primeira passagem pelo governo. Não há dúvida que a única decisão possível é ordenar que ele seja entregue ao acervo da Presidência.
Ah, mas isso é punição retroativa! A regra sobre o que presidentes podem ou não levar consigo depois de deixar o cargo só foi estabelecida em 2016!
Esse argumento é uma falácia.
O tribunal já requereu a entrega de 568 itens recebidos por Lula em seus mandatos anteriores. Não faz sentido nenhum abrir uma exceção agora.
Fazer Lula entregar à União uma peça valiosa que recebeu como representante do Estado brasileiro não equivale a um castigo. Ele não perderá uma parte de seu patrimônio, pois o objeto nunca foi seu.
Trata-se também de garantir que, no futuro, o relógio estará no lugar certo, e não no pulso de um desconhecido ou numa loja de penhores no estrangeiro.
Bolsonaro não é vítima
Advogados e apoiadores de Jair Bolsonaro estarão certos em gritar “falta” se o TCU decidir de maneira diferente. Haverá incoerência e quebra de precedente.
Ainda assim, não terão o direito de dizer que Bolsonaro é perseguido ou discriminado.
Ele chegou à presidência em 2018 com uma vantagem em relação a todos os seus antecessores: sabia exatamente o que deveria fazer com os presentes que recebesse na condição de chefe de Estado. Tinha uma questão a menos com que se preocupar.
O Tribunal de Contas da União (TCU) havia estabelecido com clareza absoluta, dois anos antes, que presentes caros como joias – o exemplo das joias apareceu de maneira explícita no julgamento – fazem parte do acervo da Presidência. Não servem para engordar o patrimônio dos ocupantes momentâneos do Palácio do Planalto. Não podem ser vendidos por aquele que recebeu o presente, nem compor a herança de filhinhos e netinhos.
Bolsonaro e sua turma decidiram fazer de conta que a regra, em vez de clara, era duvidosa. Que o TCU não havia estabelecido de uma vez por todas a natureza de um item de uso “personalíssimo” (camiseta e gravata: sim; relógio cravejado de diamantes: não).
João sem braço
Achando que conseguiria sobrepor o seu entendimento ao do órgão de Estado, mandou vender bugigangas caríssimas em bibocas de Miami. Às vésperas de deixar a presidência, ainda tentava arrancar da Receita Federal joias sauditas que haviam entrado de maneira clandestina no Brasil. Um de seus assessores viajou a São Paulo “com urgência, a pedido do senhor Presidente”, para ver se conseguia convencer os fiscais a liberar a muamba.
Bolsonaro está encrencado na Justiça porque decidiu fazer caixa com objetos que pertencem à Presidência da República. Está encrencado porque deu uma de joão sem braço diante de uma regra que lhe dizia como agir no exercício do cargo.
Seja qual for o desfecho do julgamento desta quarta, fazer Bolsonaro de vítima não cola. Se ele foi vítima de alguma coisa, foi da cobiça.
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