Walz, Trump, Marçal e a escadinha da baixaria política
A política sempre vai ter algum grau de agressividade. Quanto mais misturada com humor, melhor
A imprensa americana está cheia de explicações sobre a escolha de Tim Walz, governador de Minnesota, como vice de Kamala Harris na campanha à presidência dos Estados Unidos.
Quanto mais se lê, mais se tem a certeza de que o fato determinante foi ele ter conseguido colar um rótulo em Donald Trump e em seu vice, J. D. Vance: “esquisitos” (weird)..
Nem mesmo os estrategistas da campanha democrata fazem muita questão de dourar a pílula.
Walz deu a eles algo que nenhum marqueteiro havia encontrado até hoje: um meio de atacar os adversários que transita entre o humor e a seriedade da mesma forma que os apelidos que o próprio Trump sempre foi craque em inventar – Sleepy Joe (Joe Sonolento), Crooked Hillary (Hillary Vigarista) e assim por diante.
Esquisitos x Deploráveis
Até agora, os democratas vinham utilizando palavras como “fascista” e ideias como a de um “desafio existencial à democracia” para falar de Trump. Tudo muito pesado e angustiante, seja qual for a verdade que esses termos possam ter. “Esquisito”, por outro lado, traduziu-se imediatamente em um bilhão de memes nas redes sociais.
O próprio Trump passou recibo, mostrou-se incomodado com a farpa. “Ninguém nunca me chamou de esquisito”, disse ele numa entrevista a um programa de rádio dias atrás. “Sou muitas coisas, mas esquisito, não.”
O risco do uso da palavra é que eleitores indecisos também se sintam atingidos por ela. Na campanha de 2016, Hillary Clinton falou dos “deploráveis” que apoiavam Trump e pegou muito mal.
Os democratas acreditam que não há muito risco de algo parecido acontecer desta vez. “Esquisito” é coloquial e não expressa o nojinho evidente do “deploráveis” de Hillary. Além disso, Walz é um tiozão do meio-oeste – região que se vê como berço e santuário do americano “normal”.
A escadinha da baixaria
O sociológo americano Thomas Zeitzoff é um estudioso daquilo que ele chama de nasty politics – que eu traduziria como “baixaria política”. Ele distribuiu numa escadinha todas as formas de ataque usadas pelos políticos contra seus adversários.
No primeiro degrau estão os insultos e xingamentos; no segundo, as acusações e teorias da conspiração; no terceiro, as ameaças abertas ou veladas; no quarto, a incitação à violência; no quinto, a violência propriamente dita.
Tanto os apelidos maldosos de Trump quanto o “esquisitos” de Walz são o nível mais primário dessa “baixaria”. São parte do jogo, porque política não é dança de salão, mas esporte de contato, e requer um pouco de agressividade – de preferência, misturada com humor .
O problema só começa quando candidatos se sentem livres para subir os degraus da escada. Brasileiros e americanos viram a política percorrer todo esse trajeto nos últimos anos e sabem que os resultados são perversos.
E uma nota brasileira, para terminar: Pablo Marçal (PRTB-SP) oficializou sua candidatura à prefeitura de São Paulo no domingo, 4, dizendo que dois adversários, que ele não nomeou, são usuários de cocaína. Prometeu expô-los num debate. Começou sua campanha logo no terceiro degrau da baixaria política, o das ameaças veladas. Não é prenúncio de boa coisa.
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