Bangladesh: a autocrata fugiu. E agora?
A longevidade política de Sheikh Hasina dependia do apoio tácito do exército e da crescente opressão, mas os protestos, liderados por estudantes, conseguiram pôr fim ao seu governo
Em 5 de agosto, as televisões em Bangladesh transmitiram imagens de um helicóptero decolando da residência de Sheikh Hasina, a primeira-ministra do país. O helicóptero estava levando ela e sua irmã “para um lugar seguro”.
Pouco depois, surgiram imagens de manifestantes vandalizando a residência da primeira-ministra, descansando em sua cama e fugindo com animais de estimação e móveis.
Em um discurso à nação, o general Waker-uz-Zaman, chefe do exército, confirmou que Sheikh Hasina havia renunciado e disse que formaria um governo interino.
Uma das autocratas mais astutas do mundo foi sumariamente despachada por cidadãos furiosos.
A longevidade política de Sheikh Hasina dependia do apoio tácito do exército e da crescente opressão.
Ela reforçou seu governo garantindo o apoio da Índia, sua poderosa vizinha, enquanto mantinha relações cordiais com a China, seu principal fornecedor de armas. O Ocidente mostrou pouco interesse em penalizá-la, mesmo quando ela abandonou as normas democráticas.
Protestos e repressão
Até o mês passado, parecia que a fórmula de Sheikh Hasina para manter o poder ainda funcionava. Então os protestos começaram, liderados por estudantes.
O gatilho inicial foi a reintegração de um sistema de cotas que alocava pelo menos 30% dos empregos governamentais aos descendentes de combatentes da liberdade na guerra de libertação de Bangladesh do Paquistão em 1971, que os manifestantes argumentaram que beneficiou principalmente os adeptos da AL, partido de Hasina.
Uma repressão da polícia e do exército custou a vida de pelo menos 200 pessoas (estimativas não oficiais são maiores), colocou mais de 10.000 na prisão e fechou escolas e universidades.
Revoltados com a resposta dura, as pessoas voltaram às ruas em maior número nos dias 3 e 4 de agosto, exigindo a renúncia da primeira-ministra. Mais foram mortos em confrontos com capangas pró-governo e a polícia. O governo impôs um toque de recolher e cortou os serviços de banda larga e dados móveis.
Rumo à casa da primeira-ministra
Na manhã de 5 de agosto, dezenas de milhares de manifestantes marcharam até a residência da primeira-ministra em Dhaka. Inicialmente, a polícia e o exército os enfrentaram com gás lacrimogêneo, balas de borracha e munição real.
Diante, porém, da perspectiva de infligir derramamento de sangue em larga escala para defender um regime decadente, as forças de segurança acabaram permitindo que os manifestantes passassem.
Sheikh Hasina concluiu, então, que sua posição era insustentável e fugiu de helicóptero para a Índia (e talvez, depois disso, para Londres).
O caos acena
Um período de governo militar agora acena. Discursando à nação após a saída de Sheikh Hasina, o general Waker prometeu formar um governo interino em consulta com a oposição e a sociedade civil.
Mas o caos já acena. Após a queda do governo, militantes da Jamaat-e-Islami (um movimento fundamentalista islâmico que foi inspirado pela Irmandade Muçulmana) começaram a perseguir a minoria hindu. Há cenas dantescas circulando nas redes sociais de hindus assassinados e pendurados pelos pés. Há também relatos estudantes mobilizados para defender os hindus e seus templos.
Não se sabe se, após um período de governo militar interino, um sistema democrático confiável pode ser reconstruído.
A campanha de anos da ex-primeira-ministra para extinguir toda a oposição abre um vazio político enorme. Instituições independentes, dos tribunais aos administradores eleitorais, foram minadas. Bangladesh precisa de novos partidos, novas instituições e líderes que promovam realmente a paz e o respeito aos direitos humanos.
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