Um retrato do espírito olímpico
Em meio a disputas ideológicas e aos constrangimentos impostos pela guerra, a imagem que se impõe em Paris 2024 é a reverência da maior ginasta da história à maior atleta olímpica do Brasil
Rebeca Andrade (ao centro na foto) fez mais do que se tornar a maior atleta olímpica do Brasil ao ganhar o ouro nesta segunda-feira, 5 de agosto, na disputa do solo nas Olimpíadas de Paris 2024. Ao receber sua sexta medalha olímpica, a segunda dourada da carreira, a ginasta de 25 anos protagonizou uma imagem que imortalizou seu feito e extrapolou a celebração para além dos brasileiros: as rivais se curvaram, literalmente, para reverenciar Rebeca no degrau mais alto do pódio.
Ela não apenas se tornou a maior medalhista do Brasil na história, superando as cinco conquistas dos velejadores Torben Grael e Robert Scheidt, como é a única dos atletas brasileiros a ficar quatro vezes entre as três primeiras colocações numa única edição dos Jogos, incluindo o bronze por equipes e a prata tanto no salto quanto no individual geral.
As duas medalhas de prata de Rebeca ainda seriam de ouro caso ela não estivesse competindo com a maior ginasta da história. A americana Simone Biles (à esquerda na foto), campeã mundial sete vezes, também subiu ao pódio em quatro ocasiões em Paris, para receber três medalhas de ouro e uma de prata.
Espírito olímpico
Na última das premiações, Biles foi generosa o bastante para reverenciar a adversária brasileira junto com a compatriota Jordan Chiles (à direita na foto), que ganhou o bronze no solo.
A imagem da reverência das americanas a Rebeca resgata e cristaliza o espírito olímpico em tempos de guerra. Como havia destacado Crusoé, as disputas esportivas deste ano se desenrolam simultaneamente a dois conflitos, um gerado na Ucrânia após a invasão russa, outro na Faixa de Gaza em resposta ao massacre cometido pelo Hamas em Israel.
Os reflexos desses embates militares foram sentidos nas Olimpíadas. Um judoca argelino acabou sendo eliminado antes da estreia, após pesar 400 gramas a mais do que o limite de 73 quilos de sua categoria. O excesso de peso foi interpretado como boicote ao israelense Tohar Butbul, que Dris Messaoud Redouane enfrentaria. Dias antes, a delegação de Israel tinha sido vaiada na abertura dos Jogos.
“Difícil competir quando há uma guerra”
Além disso, cerca de 450 atletas ucranianos não puderam participar das disputas, porque foram mortos no conflito desencadeado por Vladimir Putin. A esgrimista Olga Kharlan desabafou após ganhar o primeiro ouro para a Ucrânia na edição parisiense:
“Trouxe uma medalha para o meu país, é a primeira, e será um bom começo para todos os nossos atletas que estão aqui, porque é muito difícil competir quando há uma guerra no seu país”.
As Olimpíadas de Paris também se tornaram palco para debate de questões ideológicas, desde a cerimônia de abertura, e por causa de atletas transexuais ou intersexo em modalidades femininas. A luta entre a argelina Imane Khelif e a italiana Angela Carini levantou questionamentos sobre equilíbrio e justiça no esporte.
Em meio aos atritos causados por esse tipo de divergência e aos limites e constrangimentos impostos pelas guerras à disputa esportiva, a imagem que se impõe em Paris 2024 é o gesto de humildade, respeito e admiração da maior ginasta da história e de sua parceira do primeiro mundo à maior atleta olímpica do Brasil. Atitude nobre de quem sabe o tamanho que tem.
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