O dilema do presidente do Banco Central
Campos Neto em busca da sintonia fina do cocheiro de Pinheiro Machado: "Nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo"
Roberto Campos Neto e os oito diretores da autoridade monetária brasileira se reúnem nesta quarta-feira, 31, para o segundo e último dia de reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) em que avaliam as condições econômicas do país e definem qual a taxa de juros adequada para manter a inflação sob controle.
Embora não haja dúvidas entre os investidores de que a autarquia manterá a Selic em 10,50% ao ano, o colegiado ainda tem um anúncio complicado para fazer. A decisão das reuniões do Copom são informadas via um comunicado oficial, que traz a posição que levou o grupo à decisão. No texto, figura apenas aquilo que é consenso entre os membros.
O documento serve com uma bússola um farol para o mercado: clareia a situação corrente e aponta qual direção o BC deve seguir. Desde a última reunião, em junho, no entanto, as condições se deterioraram rapidamente, e o mercado passou a temer uma mudança de rota.
A precificação da curva de juros futuros, que exprime as taxas vistas como adequadas pelos investidores para os empréstimos em diversos lapsos temporais, indica uma Selic em 11,50% a.a. até o fim de 2024, isto é, com altas de 0,25 ponto percentual em todas as reuniões do Copom de setembro a dezembro.
O mercado precificava +0,75 p.p. de reajuste na reunião anterior, mas as expectativas contiuaram a piorar. Entre os motivos estão a alta do dólar, que avançou de 5,30 reais (pela metodologia adotada pelo Comitê) para algo em torno de 5,55 reais agora, e a deterioração das contas públicas, com um rombo primário muito acima do esperado.
A depreciação do real piora os termos de troca no comércio internacional e faz com que o país pague mais caro naquilo que importa, o que pressiona os preços por aqui e torna o processo de controle da inflação mais difícil. O déficit fiscal faz com que a dívida pública cresça em um ritmo que pode impulsiona os credores brasileiros a exigirem mais prêmio para emprestar o dinheiro que financia o governo. Além disso, o dinheiro gasto “a mais” pelo governo impulsiona o consumo e também pressiona a inflação.
O problema do Copom agora é incluir o risco fiscal no balanço de riscos da autoridade monetária sem confirmar as expectativas mais pessimistas do mercado. No balanço de riscos, o BC considera tudo que pode afetar positiva ou negativamente a trajetória da inflação e, consequenetemente dos juros.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, sabe que o recado desta quarta-feira, 31, precisa ser calibrado de forma a assegurar à sociedade que o colegiado permanece vigilante e comprometido com levar a inflação para a meta de 3%, mas não pode alimentar as apostas de que serão necessários novos aumentos na Selic no curto prazo.
Se errar no tom, o BC passará a ser passageiro no processo e as distância entre as expectativas do mercado e da autarquia serão tamanha que a autarquia se verá obrigada a atender ao mercado com alta de juros somente para comprovar o comprometimento. E tudo isso, sem contar o risco de o Lula voltar à carga sobre a necessidade de responsabilidade fiscal.
No texto, que sairá mais tarde, Campos Neto vive o dilema do cocheiro da carruagem de ex-senador Pinheiro Machado que, precisando passar por uma multidão enfurecida que impedia o acesso ao Senado, ouviu do parlamentar a instrução para travessia “Nem tão devagar que pareça afronta, nem tão depressa que pareça medo“.
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