Como não reformar uma corte constitucional
O presidente americano quer um tribunal melhor ou apenas decisões mais ao gosto dos democratas?
Tanto o Supremo Tribunal Federal, no Brasil, quanto a Suprema Corte, nos Estados Unidos, atravessam maus momentos de suas histórias. São vistas com desconfiança por largas fatias da população, ou seja, enfrentam crises de legitimidade. Nos dois países, fala-se em reforma dos tribunais.
Não pode existir tabu em torno da ideia de redesenhar instituições, por mais longevas que elas sejam. O que importa é a maneira de conduzir a discussão. O presidente americano Joe Biden escolheu um mau caminho.
Em um artigo publicado no jornal The Washinton Post nesta segunda-feira, 29, ele propôs duas medidas que afetam diretamente o funcionamento do tribunal: a criação de um código de ética para os juízes e o fim da vitaliciedade no cargo.
Alhos com bugalhos
Mas Biden também fez campanha por uma terceira iniciativa, de natureza bem diferente.
Ele defendeu que o Congresso aprove uma lei em sentido contrário a uma decisão recente da Suprema Corte – aquela que garantiu imunidade absoluta aos presidentes americanos por atos realizados durante o mandato. Esse julgamento livrou Donald Trump de responsabilidade por qualquer envolvimento na infame invasão do Capitólio, em janeiro de 2021.
Misturar dessa maneira questões “estruturantes” com a crítica a uma decisão específica produz mais calor do que luz.
Afinal, a proposta de criar mandatos de tempo limitado para os juízes tem o objetivo de tornar mais difícil para um dos grandes partidos americanos colonizar o tribunal ou permitir que a maioria republicana hoje existente seja substituída por uma maioria democrata, que produza mais decisões ao seu gosto?
Timing errado
O timing da proposta também obriga a levantar as sobrancelhas.
Biden teve tempo de sobra para conduzir esse debate sobre a Suprema Corte. Em 2021, primeiro ano de seu mandato, ele encomendou um projeto de reforma a uma comissão bipartidária. O projeto foi feito e engavetado pela Casa Branca.
Agora, a pouco mais de três meses das eleições, com os nervos do país à flor da pele, ele ressuscita a discussão – sendo que Kamala Harris, que o substituiu como candidata democrata à presidência, já endossou suas propostas.
Ao transformar o assunto em bandeira eleitoral dos democratas, Biden reduz as chances de que qualquer mudança seja implementada, não só nos meses que lhe restam de mandato, mas talvez até mesmo numa próxima legislatura.
Semelhanças com o Brasil
Assim, ficam bloqueadas ideias de evidente interesse geral, como a criação de um código de ética que, por exemplo, proíba explicitamente os magistrados de receber presentes de gente interessada nas suas decisões.
Biden tornou o debate americano parecido com o brasileiro, mas com o sinal ideológico invertido. Se o Partido Democrata é a esquerda americana, aqui, foi o bolsonarismo que embaralhou os argumentos nos últimos anos, confundindo a diferença entre uma corte mais funcional e uma corte mais alinhada com o pensamento de direita.
Jamais conte com um político para fazer a coisa certa.
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