Atentado a Trump: os ataques cretinos e as críticas legítimas à imprensa
Tudo se mistura na reação à cobertura do crime
A imprensa se tornou alvo de ataques cretinos e de críticas legítimas em razão de sua cobertura dos diversos momentos – com diferentes níveis de certeza – do episódio em que se viu uma tentativa de assassinato do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, novamente rival de seu sucessor, Joe Biden, na disputa de 2024.
No jornalismo responsável, a cobertura em tempo real de qualquer série de acontecimentos requer precauções das quais a confirmação posterior de seus elementos factuais prescinde.
Avaliar à luz da confirmação posterior o grau de certeza ou incerteza conferido a cada momento a um desses elementos configura, quando se ignoram as variações do número e da qualidade das evidências disponíveis ao longo do tempo, uma ou mais de três opções básicas:
– incapacidade para conceber as hipóteses não descartadas nos momentos anteriores;
– desconhecimento do conjunto necessário de evidências para concluir que algo aconteceu de tal maneira e não de outra;
– e a mais grave: desonestidade intelectual, seja para militância política-ideológica, seja para afetação de superioridade.
As primeiras imagens divulgadas nas redes sociais e em emissoras americanas de TV que chegaram aos plantonistas de sábado à noite nas redações brasileiras foram de Trump sendo retirado do palanque por seguranças, o que gerou uma rápida busca pelas imagens anteriores, até a obtenção do vídeo do discurso interrompido ao som de estampidos.
Nesse vídeo frontal do palanque, não aparecem armas, nem munições, nem atiradores, nem fica claro se Trump foi atingido, ainda que de raspão, ou se há qualquer outra vítima. O som de estampidos impõe a atuação preventiva dos seguranças, mas não evidencia, do ponto de vista jornalístico, que tiros foram disparados na área ou em torno do evento, que dirá contra o ex-presidente, com o intuito de matá-lo. Por mais desagradável que soe a ativistas e influenciadores de direita, o que se tinha até o momento, antes da confirmação das autoridades locais, eram barulhos de supostos tiros que levaram à retirada de Trump.
O que não se tinha, por outro lado, em momento algum, era base para noticiar que “Trump cai do palco”, como fez um jornal brasileiro, o que rendeu críticas legítimas nas redes sociais, turbinadas, notadamente, por percepção prévia de alarmismo seletivo da imprensa, que só vê ameaças na direita e não contra seus líderes.
A imagem de sangue na orelha de Trump passou a circular naquele momento, ainda sem confirmação de autoridade de que o ferimento derivou de um tiro de raspão. A relação de causa e efeito entre armas de fogo (ainda não visíveis) e os estampidos (audíveis), ou entre tiros (não confirmados) e o sangue, não era verificável de modo independente, mas, sim, presumida, o que, em matérias noticiosas, não se omite, apenas se trata com a devida cautela, até a divulgação de evidência conclusiva ou confirmação de autoridade competente, quando termos como “supostos” e outras muletas são removidos dos títulos da cobertura jornalística, ao menos nos veículos que não estejam interessados em distorcer a situação.
Foi o que aconteceu, em vários deles, quando o promotor distrital do condado de Butler, Richard Goldinger, confirmou as seguintes informações, que eu, Felipe, imediatamente repercuti no X:
– Trump foi atingido de raspão na orelha por um tiro, mas está seguro;
– O atirador está morto;
– Uma pessoa da plateia foi morta;
– Outra pessoa está em estado grave.
As informações foram corroboradas por um porta-voz do Serviço Secreto.
Somente depois, circularam imagens de uma pessoa sendo carregada na plateia; de um trumpista falando em TV americana que viu o atirador subir em telhado próximo e que alertou à polícia; de dois “snipers” em outro telhado reagindo aos disparos do atirador; do próprio atirador morto ao lado de sua arma modelo AR e até do momento em que ele havia disparado, sem falar na foto que captura o movimento do projétil próximo à orelha do ex-presidente.
De madrugada, após vazamento do nome ao New York Post, o FBI confirmou a identidade do atirador e disse considerar o ato como tentativa de Thomas Crooks de assassinar Trump, embora os motivos não estivessem claros.
Diante de tamanhas evidências, nem os veículos mais hesitantes, ou militantes, deixaram de noticiar as relações de causa e efeito, de modo que a desinformação ficou restrita a teóricos lulistas da conspiração como André Janones, deputado federal flagrado em áudio defendendo “rachadinha” e aliviado na Comissão de Ética da Câmara graças a Guilherme Boulos.
O New York Times e o Washington Post ainda foram criticados por terem fechado a capa de suas edições impressas deste domingo, 14, com chamadas genéricas: “TRUMP MACHUCADO, MAS SEGURO, DEPOIS DE UM TIROTEIO – Um suspeito atirador e um espectador do comício foram mortos”; “Trump fica ferido em tiroteio – POSSÍVEL TENTATIVA DE ASSASSINATO – Atirador mais 1 mortos; o ex-presidente está ‘bem’”. Não se sabe exatamente a hora do fechamento na noite de sábado, mas, considerando as informações incluídas nas matérias, há críticas legítimas ao uso da palavra “tiroteio” no título, que, apesar do subtítulo do WP, dilui no conjunto dos tiros de lado a lado a responsabilidade do atirador pelo crime, ao qual se seguiu a reação legal dos “snipers”.
O alarmismo seletivo da imprensa, do qual tratou Crusoé em edição lançada na véspera do atentado, contribui para que a necessária prudência jornalística na cobertura em tempo real de episódios espinhosos seja colocada no balaio das condutas repudiáveis, o que abre flanco, claro, para ataques cretinos cometidos pelos oportunistas de sempre.
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