STF: Fachin cobra comedimento contra “abismo institucional”
"Em um momento de mudanças sociais intensas, cabe à Política, com p maiúsculo, o protagonismo, e ao Judiciário a virtude da parcimônia", disse o ministro do STF
No mesmo dia em que Flávio Dino defendeu o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal (STF) como solução para os impasses que os políticos brasileiros não estariam conseguindo resolver, seu colega Edson Fachin (foto) cobrou da corte constitucional brasileira “a virtude da parcimônia”. A distância entre as duas manifestações é da ordem do oceano que separa os locais onde os dois discursos foram feitos.
Enquanto Dino falou em painel do pomposo Fórum Jurídico de Lisboa, apelidado de Gilmarpalooza por ser organizado pelo decano do STF, Gilmar Mendes, para professores, autoridades e empresários, Fachin discursou de dentro do próprio STF, em Brasília, longe da pompa e das suspeitas de conflito de interesse do evento no exterior, e apenas para estudiosos do direito. E seu recado foi mais razoável e contundente do que o do “ministro com cabeça de político” indicado por Lula.
“Permitam-me tentativamente confidenciar-lhes meu ceticismo em relação às capacidades de os tribunais processarem nossas diferenças”, disse Fachin na abertura do que chamou de uma edição especial de seu “Hora de atualização”, encontro que seu gabinete promove discretamente desde agosto de 2015 — esta é a 30ª edição.
Parcimônia
Fachin seguiu: “Creio não estar sozinho aqui. Em um momento de mudanças sociais intensas, cabe à Política, com p maiúsculo, o protagonismo, e ao Judiciário e às cortes constitucionais, mais especificamente, cabe a virtude da parcimônia, evitar chancelar os erros e deixar sedimentar os acertos, sempre zelando pela proteção dos direitos humanos e fundamentais”.
“Comedimento e compostura são deveres éticos, cujo descumprimento solapa a legitimidade do exercício da função judicante. Abdicar dos limites é um convite para pular no abismo institucional. A lei sem reconhecimento é injusta, mas o reconhecimento sem lei é precário”, completou.
Hora de atualização
Segundo a descrição do STF, essa edição especial do “Hora de Atualização”, que ocorre na sala da Primeira Turma do STF, “tem o objetivo de oferecer subsídios aos participantes sobre a questão da jurisdição constitucional, o aperfeiçoamento do processo decisório do Tribunal e a efetividade dos direitos humanos e fundamentais, em perspectivas de transformações”.
Na abertura do evento, Fachin disse ainda que “um tribunal que tem o encargo precípuo de ser guardião constitucional precisa dar exemplo de coerência, integridade e estabilidade”. E seguiu:
“Não foram poucas as vezes que este Supremo Tribunal Federal falou de democracia nos últimos anos. Eu mesmo tive a obrigação de relembrar os termos do compromisso constituinte mais de uma vez no plenário da corte. Mas uma democracia não sobrevive apenas de admoestações da corte constitucional, que, em essência, não passam aqui de um, para reproduzir a frase de Benjamin Franklin, ‘if you can, keep it’, como Benjamin Franklin teria dito a quem lhe perguntou sobre a natureza da Constituição americana.”
“O antídoto está na política”
Para o ministro do STF, “uma democracia requer, assim, para que possamos mantê-la, como acentua a frase de Ben Franklin, que todas as suas instituições, e não apenas a corte constitucional, canalizem as justas aspirações de seu povo, e cada uma delas nas suas estritas funções”.
“Há muito falamos e reclamamos da polarização por que passa o país. Ela transforma nossos planos em escolhas plebiscitárias. Perdemos o espaço exigido pela força construtiva da diferença e deixamos de valorizar a comunidade que formamos. A atual polarização também sinaliza que estão em curso mudanças sociais tectônicas, daquelas estudadas pela demografia, a geografia das ciências sociais. A polarização pode ficar um pouco mais, é o mal do século. O antídoto está na política, e não a violência”, seguiu.
O outro polo
Durante sua palestra no Gilmarpalooza, feita também nesta sexta-feira, Flávio Dino defendeu o oposto. “Nunca vi nenhum ministro do Supremo Tribunal Federal ou do STJ, de outros tribunais, saírem correndo pela Praça dos Três Poderes para catar um processo e colocar lá dentro”, argumentou em defesa da mediação de divergências políticas no Supremo.
“O problema é que quando as situações conflituosas caminham por aquela praça e não encontram outra porta, acham o prédio do Supremo mais bonito, a rampa é menor, e lá eles entram. E, lá chegando, nós não podemos jogar os problemas no mar, ou no Lago Paranoá, e nós não podemos prevaricar, e é por isso que o Supremo Tribunal Federal, entre aspas, se mete em muita coisa. Nós somos metidos em muita coisa, em face dessa conflagração que marca a sociedade brasileira, mas não só, neste momento não tão glorioso das democracia no ocidente”, defendeu.
Fachin e boa parte da população brasileira discordam.
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