Após invertida no BC, Lula busca bode expiatório
Decisão unânime do Banco Central pela interrupção do corte de juros esvazia a retórica de Lula e do PT sobre o "indicado de Bolsonaro"
O presidente Lula deve explorar novas fronteiras para transferir a culpa pelas mazelas econômicas do governo a partir de agora. Após a decisão unânime do Copom (Comitê de Política Monetária) pela interrupção dos cortes na taxa básica de juros e manutenção da Selic em 10,50% ao ano, a tarefa de culpar “aquele cidadão” do Banco Central ficou complicada.
Todos os quatro indicados pelo petista para a autoridade monetária (Gabriel Galípolo, Aílton Aquino, Paulo Pichetti e Rodrigo Teixeira) foram a favor de manter a elevada taxa básica inalterada. Estariam os escolhidos por Lula, mancomunados com Roberto Campos Neto, presidente do BC e, na retórica petista, agente sabotador da economia brasileira, na missão de prejudicar o governo?
É óbvio que essa conversa é, e sempre foi, uma grande bobagem, uma cortina de fumaça para desviar a discussão sobre o que realmente interessa: responsabilidade com as contas públicas. No comunicado do Copom, que somente contém o que é consenso entre os membros, foi mantida, não por acaso, a expressão “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária“.
Pressões inflacionárias
Há outros fatores que impactam a margem de manobra que o Banco Central tem para operar a política de juros no combate à inflação, principalmente, o cenário externo. Pressões inflacionárias globais também estão no texto. Isso não tem nada a ver com o Lula, mas o problema está na fala de ação do governo naquilo que ele pode resolver: a firmeza no cuidado com o equilíbrio fiscal.
Após 18 meses de governo, não há mais espaço para o proselitismo barato e para as desgastadas expressões “herança maldita” e “indicado de fulano”. Lula tem de lidar com o próprio governo, e esse tem feito muito barulho, mas ajudado pouco.
De acordo com o relatório “Estimativa preliminar do resultado primário do governo central em maio de 2024“, produzido pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), até o mês passado, as despesas cresceram 27,5 bilhões de reais a mais que as receitas, contra um superávit de 3,2 bilhões de reais no mesmo período do ano passado.
Preocupação do mercado
Não é preciso ser doutor em matemática para entender que se as despesas crescem mais do que se ganha em algum momento do futuro o país vai quebrar. Essa é a preocupação do mercado financeiro, diante da qual Lula tem demonstrado desprezo contínuo.
A decisão unânime do Copom na noite de quarta-feira, 19, esvaziou a retórica sobre “aquele cidadão indicado do Bolsonaro no Banco Central trabalhando contra o Brasil“. Pode-se até discutir que a autoridade monetária está errada nas conclusões sobre o nível da taxa de juros ideal para manter a inflação sobre controle e as expectativas ancoradas, mas a falácia do inimigo infiltrado no governo está desmascarada.
Um dia antes da decisão, Lula ainda tentou influenciar os diretores indicados por ele e que aguardam a definição sobre quem pode ser o próximo presidente do BC, quanto o mandato do atual acabar em dezembro deste ano. “Vai ser uma pessoa madura, calejada, responsável, alguém que tenha respeito pelo cargo que exerce e alguém que não se submeta a pressões de mercado“, disse.
Medida esperada
Na sessão desta quinta-feira, 20, o mercado financeiro deve digerir a manutenção da Selic em 10,50% ao ano e a interrupção da sequência de cortes na taxa básica de juros. Essa é a primeira interrupção nas reduções, após sete cortes consecutivos. A medida era esperada pelos investidores, que alimentavam ainda a esperança de consenso entre os diretores do Banco Central responsáveis pela definição, o que deve ser visto como um sinal de esperança por uma autarquia independente na condução da política monetária.
Lula não parece lidar bem com o ambiente democrático e o dissenso, em que opiniões conflitantes e até contrárias ao presidente podem ser vencedoras. Não por acaso, na mesma entrevista de terça-feira, 18, se comparou a um imperador (Dom Pedro II) e um ditador (Getúlio Vargas).
De qualquer forma, o presidente precisa agora de um novo alvo para dar razão ao adágio popular “a culpa é minha e eu coloco em quem eu quiser“.
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