O arroz estatal de Lula
Sob a desculpa de impedir a inflação nos preços do arroz, o presidente quer inflacionar sua presença na vida dos eleitores
Leio no Estadão que Lula está prestes a adotar uma medida de caráter verdadeiramente soviético, ou bolivariano.
Ao preço tabelado de 8 reais por quilo, ele pretende inundar o país com pacotes de arroz que vão trazer um logotipo estatal (da Conab) e os dizeres “arroz adquirido pelo governo federal”.
Até a semana passada, a ideia se restringia à importação de 1 milhão de toneladas do produto.
O objetivo declarado é evitar que haja uma disparada nos preços, tendo em vista a calamidade no Rio Grande do Sul. O estado responde por 70% da produção nacional do alimento.
Para isso, no entanto, uma intervenção tão drástica não seria necessária.
Presença inflacionada
Reduzir as alíquotas de importação provavelmente já seria suficiente para deter um aumento explosivo.
Para efeito de argumentação, dadas as circunstâncias extraordinárias, consideremos plausível até mesmo a compra de um estoque regulador, a ser usado para calibrar os preços caso se identificasse um desabastecimento – que o agronegócio garante que não acontecerá – ou um movimento especulativo muito forte na venda aos consumidores.
A distribuição para o varejo numa embalagem com marca oficial vai longe demais e põe o governo numa posição em que ele não deve estar.
Substitui-se a inflação do arroz pela inflação da presença de Lula na vida dos cidadãos comuns.
São duas maneiras diferentes de explorar um momento de crise em proveito próprio. Duas formas diferentes de abuso.
Medo e arrogância
Além do desejo de lucrar politicamente, pode-se identificar o medo e a arrogância como motores dessa iniciativa sem precedentes.
Medo, claro, de que uma escalada nos preços se traduza em piora ainda maior nos índices de aprovação de Lula. É um temor plausível, pois sempre sobra para o governo quando comprar um item tão fundamental do cardápio se torna difícil.
O medo, no entanto, costuma ser mal conselheiro.
E aqui entra a arrogância – a crença de que todos os efeitos da intervenção estatal podem ser previstos e controlados.
Perguntas
O fato é que a maior parte da safra de arroz do Rio Grande do Sul já havia sido colhida. Neste momento, a maior dificuldade é fazê-la escoar para o restante do país, por causa da interrupção nas estradas.
A depender da velocidade em que a normalização desse transporte aconteça, é bem provável que o arroz estatal nem tenha completado ainda sua viagem de navio.
O que vai acontecer daqui a alguns meses? O arroz dos produtores gaúchos terá de competir no mercado com o arroz de Lula? Como vão ficar os preços? Serão adequados para que os agricultores programem a próxima safra ou mais uma vez haverá redução na área plantada – fenômeno que se observou de maneira sistemática nos últimos anos?
Desarranjo estrutural
Quem disser que tem respostas infalíveis para essas perguntas está mentindo. Não há como saber o grau de desarranjo estrutural que uma ação desse tipo pode causar.
Como mostra a reportagem do Estadão, o agronegócio está desconcertado. A simpatia do setor com o petista tende a reduzir-se ainda mais ao fim dessa história.
Mas deixemos o futuro para o futuro. O certo neste momento é que Lula desenhou um plano para associar seu nome a cada garfada de arroz que os eleitores levarem à boca. Demagogia sem qualquer tempero.
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