Barroso contra a “perversidade” de Salomão no CNJ
"Considero que a medida foi ilegítima e arbitrária e desnecessária", disse o presidente do STF em votação sobre o afastamento por decisão monocrática dos juízes que atuaram na Operação Lava Jato
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso (foto), pediu vista da representação em que o corregedor nacional de Justiça, Luís Felipe Salomão, solicita a abertura de processo administrativo disciplinar (PAD) sobre a juíza Gabriela Hardt. A punição também foi aplicada ao juiz Danilo Pereira e aos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Lenz Loraci Flores De Lima, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que atuaram na Operação Lava Jato.
Barroso também deu um duro voto contra o afastamento dos quatro de suas funções, que, segundo ele, foi determinado de forma ilegal pelo corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O ministro do STF antecipou seu voto apresentando-o como “uma prova de que a vida pode ser vista por muitos pontos de observação” e terminou dizendo que chancelar o afastamento dos juízes seria cometer uma injustiça, “quando não uma perversidade”.
O presidente do STF também falou que a medida foi ilegítima, arbitrária, desnecessária e absurda ao longo de seu voto. O julgamento foi suspenso pelo pedido de vista de Barroso e deve ser retomado em 21 de maio. O presidente do STF está entre os oito votos já dados para formar a maioria para revogar os afastamentos de Hardt e de Pereira.
Vista
Barroso justificou o pedido de vista dizendo que não teve tempo de analisar o processo, entregue ontem, segunda-feira, 15, para apreciação dos colegas de CNJ. “Nem eu, nem qualquer dos conselheiros aqui pode ter tido tempo de, de ontem para hoje, ter estudado esse processo com a seriedade, a responsabilidade e a consciência que ele exige”, comentou, destacando que os documentos foram liberados às 18h da segunda e têm mais de mil páginas.
Os depoimentos do caso têm 26 horas e foram inseridos no sistema nesta terça, segundo o ministro. “Os votos do eminente relator foram inseridos no sistema hoje pela manhã. Para se instalar um processo administrativo contra alguém é preciso que nós tenhamos tido um acesso pessoal mínimo à prova, que nem o Super-Homem poderia ter”, reclamou.
A pressa de Salomão, especula-se, deveu-se ao vencimento dos mandatos de dois conselheiros do CNJ. Os dois conselheiros que se despediam hoje dos postos coincidentemente anteciparam seus votos para seguir o pleito do corregedor nacional de Justiça. Também para apressar a deliberação, Salomão desmembrou do caso a acusação que faz contra o senador Sergio Moro (União-PR), que será julgada em outro momento.
Decisão monocrática
“Como decorrência das garantias de independência e imparcialidade da magistratura, o afastamento de autoridades judiciais somente pode ocorrer quando estejam inequivocamente caracterizadas falhas graves ou absoluta inaptidão para o cargo”, disse Barroso, citando a Constituição:
“Artigo 93, inciso 10: as decisões administrativas do tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros”.
E o PAD?
Segundo Barroso, essa decisão por maioria absoluta só poderia ser tomada após a instalação do PAD, o que ainda não ocorreu. O ministro argumentou ainda que, se fosse o caso, o CNJ poderia deliberar sobre o assunto em sessão extraordinária, em reunião virtual, o que só torna pior a decisão monocrática tomada por Salomão.
“Considero que a medida foi ilegítima e arbitrária e desnecessária; o afastamento dos juízes por decisão monocrática sem deliberação da maioria absoluta e sem nenhuma urgência que não pudesse aguardar 24 horas para ser submetida a este plenário”, comentou.
Afastamentos dos desembargadores
Barroso disse ainda que os fatos que embasam a representação de Salomão são muito simples, apesar de contados “de forma bastante complexa” pelo corregedor. “Houve o julgamento de uma exceção de suspeição em relação ao juiz Eduardo Appio na oitava Turma do Tribunal Regional Federal, porque supostamente o pai do juiz teria sido beneficiado por propina, tal como constava em planilha da Odebrecht”, seguiu o ministro.
“E, portanto, o tribunal considerou que esse era um caso de suspeição. O tribunal julgou só uma exceção de suspeição, foi só isso que ele fez. Mas a exceção de suspeição não estava suspensa pelo Supremo Tribunal Federal. O que aconteceu é que a consequência do julgamento da exceção de suspeição procedente levou à anulação de decisões que o juiz suspeito havia proferido”, resumiu.
Essa decisão acarretou o impulsionamento de um outro processo que estava suspenso. Portanto, foi uma consequência indireta, que levou à invalidação de decisões que haviam liberado prisões e uma decisão absolvitória, explicou o ministro. “Evidentemente que essa não é uma infração grave, se é que foi algum tipo de infração. Na minha visão, não foi infração, muito menos crime”, seguiu. Além de tudo, os desembargadores punidos por Salomão alegaram que nem sequer tinham conhecimento de decisão do STF sobre o assunto.
Afastamento de Gabriela Hardt
“No caso da juíza Gabriela Hardt, a imputação que se faz a ela é a homologação de um acordo em janeiro de 2019. Cinco anos já se passaram. Evidentemente não se trata de um fato minimamente contemporâneo para tornar urgente o afastamento dessa juíza”, argumentou Barroso, destacando que ela tem reputação ilibada, “nenhuma mácula para ser sumariamente afastada”.
“Não foi ela que fez o acordo. O acordo foi celebrado pela Petrobras com o Departamento de Justiça dos EUA, a Secutity Exchange Comission e, depois, entronizado no Brasil em acordo com o Ministério Público Federal. Não havia nenhuma razão para suspeitar de uma coisa errada”, seguiu o ministro. “Ninguém supõe que o Ministério Público, como regra, esteja participando e algum tipo de maracutaia, de algum tipo de coisa errada”, protestou.
Barroso lembrou que o acordo envolvia 853 milhões de dólares, que deveriam ser pagos nos EUA. “E aí se previu que 80% desse valor viria para o Brasil, era um acordo bom. Era um acordo positivo. E aí estabeleceu-se que metade desse valor ficaria em conta judicial para pagamento de indenizações e a outra metade iria para um fundo patrimonial privado que investiria em finalidades púbicas”, descreveu.
Salomão chegou a apontar a possibilidade de um crime de peculato na conduta da juíza.
“Dois pesos e duas medidas”
Barroso disse que ninguém duvida, hoje, que a ideia de criar essa fundação tenha sido “pouco feliz”. “Tanto que eles mesmos voltaram atrás e desistiram da fundação antes ainda da decisão do Supremo Tribunal Federal”, comentou, mencionando que o ministro do STF Alexandre de Moraes anulou o acordo por entender que o dinheiro não deveria ir para uma fundação privada, mas para o Tesouro Nacional, sem fazer qualquer imputação contra os responsáveis por homologá-lo.
O ministro destacou ainda que o dinheiro nunca foi para a fundação e disse que, diante de todo o exposto, afastar a juíza não seria fazer justiça. O mesmo se aplica ao caso do juiz Danilo Pereira, que participou de decisão questionada por Salomão como convocado para compor o quórum,
“Esse juiz não integrava a Oitava Turma, não tinha memória dos julgamentos lá. Seria uma exigência diabólica imaginar que um juiz convocado na véspera tivesse que saber todo o acervo daquela turma”, criticou, classificando a decisão de afastamento como “absurda”.
Barroso também apontou “dois pesos e duas medidas” ao comparar o afastamento dos desembargadores ao que ocorreu com o juiz Eduardo Appio, também teria atuado em processos que estavam suspensos, mas celebrou um termo de ajuste de conduta que o levou para uma vara previdenciária — isso só é possível se a infração disciplinar for considerada leve.
Notas
Barroso ainda citou a série de notas que associações de juízes que recebeu em protesto aos afastamentos determinados por Salomão, “manifestando choque, quando não indignação, pelo afastamento sumário, prematuro, desnecessário de quatro juízes cuja reputação era ilibada”.
Nesta terça, juízes federais convocaram greve em protesto contra a ex-juíza da Lava Jato.
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