As manifestações de Elon Musk sobre o ministro Alexandre de Moraes marcam uma mudança na relação entre o Brasil e as Big Techs. É uma briga que só está no começo, ainda veremos muitos desdobramentos.
O dono do Twitter disse que revelaria uma série de solicitações feitas pelo ministro do STF relacionadas a derrubada de contas. Disse que sua empresa desobedeceria essas ordens judiciais, liberando as contas. Foi o suficiente para colocar fogo num debate já acalorado.
O fato é que ele não revelou nada, pelo menos por enquanto. Mesmo assim, acabou em um dos inquéritos do STF sobre fake news. Esse é um ponto que traz um tipo diferente de atenção internacional ao que ocorre no Brasil. As reações internacionais estão só começando e merecem observação atenta.
Como explicar para o exterior que, na democracia brasileira, Elon Musk foi parar no inquérito? Foi solicitado pela Polícia Federal ou pelo Ministério Público Federal? Qual a decisão judicial que ele descumpriu? Existe jurisdição sobre ele aqui no Brasil para que seja incluído no inquérito? São questões que agora estão postas.
Infelizmente, é mais um debate que foi infantilizado por hipérboles, catastrofismo e busca por heróis. No centro do debate está o conceito de liberdade de expressão que, paradoxalmente, é abandonado.
A democracia precisa ser o império da lei e o Brasil pode estar confundindo esse conceito com o império das instituições. Existe uma distância muito grande entre dizer algo e fazer algo mas, no caso específico de Elon Musk, parece que a distância não existe, é uma linha borrada.
Nosso debate político tem sido infantilizado, focado na busca por vilões e heróis que os derrotam. A vida real, no entanto, é mais complexa.
No caso brasileiro, Elon Musk interagiu com alguns perfis que agora têm sido alçados ao patamar de defensores da liberdade de expressão. No entanto, são perfis que usam seu espaço de fala para tentar limitar a liberdade de expressão alheia por meio de ameaças e perseguição dos críticos e suas famílias.
Entre os novos autointitulados defensores da liberdade de expressão há gente que defendia até prisão de humorista. São pessoas que pouco tempo atrás vibravam quando a Procuradoria-Geral da República agiu para prender o humorista Danilo Gentili por causa de piada. Isso é liberdade de expressão?
Temos muitos defensores da liberdade de expressão mas só de quem expressar exatamente o que eles pensam. Se divergir, criticar ou até mesmo questionar, passam a encontrar recursos retóricos para defender censura. É um erro alçar a herói pela liberdade quem se comporta assim. No atual cenário de imbecilização coletiva pela polarização, parece ser inevitável.
Ainda não sabemos se Elon Musk vai mesmo divulgar os documentos que prometeu, com requisições de restrição de perfis à revelia da legislação brasileira. Caso isso aconteça, a história deve ter um novo capítulo.
Também não sabemos se o Twitter irá mesmo descumprir ordens judiciais ou se apenas disse isso e vai continuar recorrendo judicialmente e respeitando as decisões.
Essas variáveis são decisivas no que veremos de agora em diante. O debate está posto e estamos em ano eleitoral. Temos pessoas muito poderosas e de personalidade forte num embate. A tendência é que a massa opte por um como demônio e outro como salvador. Pior, tendem a pressionar os demais para fazer a mesma escolha superficial e infantilóide. É um processo que inevitavelmente gera um movimento de cerceamento da fala de quem não se enquadrar.
Nesse contexto, cabe perguntar como vamos defender a liberdade de expressão no Brasil.