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Lula sobre a maioria do eleitorado: massa de manobra 

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Carlos Graieb
5 minutos de leitura 12.03.2024 17:47 comentários
Análise

Lula sobre a maioria do eleitorado: massa de manobra 

Em entrevista ao SBT, o presidente explica porque gosta da polarização e diz que ela é boa para quem sabe "trabalhar os neutros"

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Carlos Graieb
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Lula sobre a maioria do eleitorado: massa de manobra 
Foto: Ricardo Stuckert / PR

Na entrevista exibida pelo SBT na noite desta segunda-feira, Lula disse que não se preocupa com a polarização entre ele e Jair Bolsonaro – e que até a considera boa. Eis a fala:  

“Eu não me preocupo porque o Brasil foi polarizado entre PSDB e PT durante muito tempo. Foi assim em 1989, 1994, 1998, 2002 e 2006. Agora, o Brasil está polarizado entre duas pessoas. Não são nem dois partidos, porque o meu existe e o partido deles não existe. É uma legenda eleitoral. A polarização é boa se a gente souber trabalhar os neutros para que a gente possa criar maioria e governar o Brasil.” 

Quero comentar principalmente a última frase, em que Lula fala sobre “trabalhar os neutros”. Mas chego lá daqui a pouco.

Realismo

Chamo atenção, primeiro, para o fato de que Lula é mais realista do que muitos dos seus leões-de-chácara no debate público. Esses últimos entortam a boquinha quando alguém fala em polarização, porque acham que o atual presidente não é equiparável a Jair Bolsonaro.  

Lula não se preocupa com as distinções bizantinas que seus leões-de-chácara alfabetizados tentam traçar (dizendo, por exemplo que ele “não é de extrema-esquerda”), pois sabe que ele e Bolsonaro representam alternativas à esquerda e à direita – e que a palavra polarização descreve esse fato adequadamente para a maioria das pessoas.  

Suspeito também que Lula prefira não se alongar nesse tipo de discussão teórica porque ela tende a lançar luz sobre as características detestáveis que ele compartilha com Bolsonaro.

No que Lula e Bolsonaro são iguais

Por exemplo: ambos são populistas, ou seja, não hesitam em pintar uma parcela do país que pretendem governar como inimiga – feita de gente execrável, que precisa se submeter aos bons e aos puros.  

Nenhum dos dois, além disso, acredita de fato na democracia, que na sua forma elementar significa tão somente a possibilidade de alternância de poder pacífica, a intervalos regulares.  

Bolsonaro deixou seu desapreço pelo regime escancarado, ao entreter a ideia de uma virada de mesa com sua grei de militares traiçoeiros. 

Lula e o PT não são menos autoritários, são apenas mais sutis: corromperam o jogo democrático por meio dos esquemas do mensalão e do petrolão e assim, por um bom tempo, garantiram sua dominância política. O PT não faz segredo nenhum de que procura a “hegemonia” – um mundo à moda chinesa, com partido único e espaço exíguo para dissidências. 

O teatro da “frente ampla”

Mas, voltando à fala de Lula, ele se mostra perfeitamente à vontade quer com o uso da palavra polarização, quer com o fenômeno que ela descreve: o embate entre duas forças políticas organizadas, que só precisam cortejar (ou “trabalhar”) uma parcela grande, mas desengajada, do eleitorado de tempos em tempos, durante a campanha eleitoral. É difícil exceder o presidente em pragmatismo, no mal sentido da palavra.  

O mundo da polarização é um mundo simples, em que é possível conquistar ou manter o poder fazendo poucas concessões no discurso e quase nenhuma nas políticas efetivamente implementadas, uma vez que se vence uma eleição.  

Nas eleições de 2022, Lula, além de explorar os flancos que seu adversário deixou expostos, ainda montou o teatro de uma “frente ampla”. Assim que pisou no governo, rasgou a fantasia. Em tudo que diz e tudo que faz seu governo é puramente petista, sem nenhuma concessão aos moderados que o ajudaram a ganhar a eleição.  

Sim, Lula faz concessões: mas ao Centrão fisiológico, porque com ele não é preciso negociar em torno de princípios e visões de mundo, basta usar cargos e verbas.  

A verdadeira massa de manobra

E assim voltamos à questão dos “neutros” que precisam ser “trabalhados”.  

Lula deixou bem clara sua visão sobre eles na entrevista ao SBT. Eles não são eleitores que precisem ser ouvidos de verdade, conhecidos de verdade, atendidos de verdade: são massa de manobra “para que a gente possa criar maioria e governar o Brasil”.  

O problema é que, segundo as pesquisas, essas pessoas não são uma minoria, mas constituem algo entre 45% e 50% do eleitorado. Talvez por isso a democracia viva tão adoecida: nenhum presidente se interessa, de fato, em servir à maioria  

Não condeno políticos que se assustam diante da dificuldade de conversar com eleitores que, por estarem brigando para ganhar a vida, ou enojados demais com o business as usual, só começam a prestar atenção na política nas vésperas das eleições. Em geral, a palavra “neutros” não descreve adequadamente essas pessoas. “Céticos” e “desiludidos” provavelmente está mais próximo da realidade. E falar com gente assim, de fato, é um problema e tanto.  

Condeno, no entanto, políticos e comentaristas que em vez de insistir na tarefa, se agarram às canelas deste ou daquele populista na primeira oportunidade. Esses, sim, são massa de manobra da pior espécie.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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